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Tiago Salazar

O 'Moturista' acidental em Lisboa

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DA DEMOCRACIA NA AMÉRICA

DA DEMOCRACIA NA AMÉRICA

Novembro 7, 2020 por tiagosalazar.com

A reeleição de Donald Trump terá muito que se lhe diga, mas deve ser por ora aplaudida como o triunfo da ciência política (e dos porcos). O conde Alexis Tocqueville publicou “Da Democracia na América” (em francês, De la Démocratie en Amérique) em 1835, uma panorâmica dos Estados Unidos dos anos 30 do século XIX, e neste texto visionário deixou escrito o modelo que leva à possibilidade da eleição de tipos como Trump num sistema político único no mundo com as suas virtudes e defeitos.

Nessa viagem de nove meses baseada no pressuposto de estudar o sistema prisional, o conde fascinou-se com o sentido de dedicação das pessoas comuns ao processo político. Andrew Jackson era o presidente e os partidos políticos estavam num processo de mutação, deixando de ser pequenas organizações controladas por elites locais e comissões eleitorais para se tornarem corpos massivos, capazes de eleger funcionários para os níveis local, regional e nacional e criando o esteio democrático para a eleição de génios ou imbecis na mesma medida.

A lacuna do livro de Tocqueville está apenas na ausência de um estudo sobre a pobreza nas cidades e a escravatura, mas deixou pérolas de entendimento para não nos espantarmos hoje com a eleição de deuses encarnados ou trogloditas de Neandertal capazes de num curto espaço de tempo tudo fazerem para devolver o mundo à Idade da Pedra. Em última instância, o povo é quem mais ordena e lá tal como cá, há espaço na mesma sebenta para Salazar, Eanes, Sá Carneiro, Sócrates ou Costa e Rio, como no solo americano nos impressionamos com o tumulto e o prazer do povo em tomar parte do governo e discutir as suas medidas, levando as mãos à cabeça (ou ao coração) diante dos perigos de ser governado por um fundamentalista acéfalo.

Alexis De Tocqueville e Gustave Beaumont, ambos aristocratas franceses, foram enviados pelo governo francês em 1831 para estudar o sistema prisional americano. Chegaram a Nova Iorque em Maio desse ano e passaram nove meses em viagem pelos Estados Unidos, tomando notas não só acerca das prisões, mas sobre todos os aspectos da sociedade norte americana, incluindo a sua economia e o seu sistema político, único no mundo.

Após o retorno à França, em fevereiro de 1832, os dois autores enviaram os seus relatórios penais ao governo. Beaumont escreveria ainda um romance sobre relações raciais nos Estados Unidos.

Photo by Josh Johnson on Unsplash

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MERITOCRACIA

MERITOCRACIA

Outubro 31, 2020 por tiagosalazar.com

Se é coisa apenas portuguesa ou universal não o posso avaliar mas por cá tendemos a subestimar o indivíduo notável.

Por exemplo, o RAP, apelidado por muitos de genial, logo vem um coro de detractores dizer que é pedante, preguiçoso, benfiquista, comuna… Eduardo Lourenço, pensador prosador ilustre, um copista, bronco, mal formado e overrated ao lado de Agostinho da Silva, António Vieira ou Leonardo Coimbra, dirão outros. Laginha ao piano, virtuoso, trabalhador incansável, atrás de um sonso, um falso modesto, um burguês.

É claro que raras vezes o homem e a obra se assemelham nas imaculadas virtudes. Ronaldo, o maior atleta português de todos os tempos, não passa de um bilionário bimbo madeirense, tal como não se pode tirar a saloia Cristina Ferreira da parolice da Malveira ou a J. Lo do Bronx.

Agradar à plebe e às elites é inviável num mundo dual tomado pelas dores de corno. Nem o Buda, JC ou Maomé fizeram o pleno da aclamação. Somos todos reféns das apostasias do gosto.

Photo by Arisa Chattasa on Unsplash

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A foice, o martelo e a longarina

A foice, o martelo e a longarina

Outubro 23, 2020 por tiagosalazar.com

Todo o passo tem um peso e uma dimensão. Quando me juntei ao partido (PCP) recebi diversas advertências. “Serás, doravante, um escritor comunista”, aventou um jovem camarada, com um esgar leninista.

Se o comunismo de um escritor está em arregimentar as classes populares à sua leitura (e entendimento) o prognóstico do camarada Soares trazia laivos de profecia. Falarei adiante disto de escrever em associação a uma ideologia

Nasci em Fevereiro de 1972. O mais certo é ter ouvido a palavra comunismo a primeira vez no hemiciclo de Alvalade. Andava lá por casa um tio (falecido) afecto aos vermelhos. O tio esforçava-se por converter a família à irmandade rubra. A mim fazia a conversão com recurso a carolos, aplicados com os nós das falangetas deformadas.

A cabeça, pelo menos, ficava vermelha dos galos, nada desaguando no miolo de admirável vindo do método trauliteiro do famigerado tio.

A fórmula musculada de passar o dogma tinha tudo para resultar ao contrário, mas, por gostar de partilhar os meus brinquedos com os mais desfavorecidos não me custou encarar a distribuição da minha riqueza (automóvel, sobretudo) pelos camaradas de rua.

O PCP deu lugar à CDU e comecei a interessar-me por siglas e símbolos, como deter-me na marca de um carro. A estrela de pontas prateadas dos Mercedes. O jaguar predador. As asas de morcego dos Mazdas. O W do trabalho dos Volkswagen. Ouvir o motor de um Aston Martin faz-me sentir a emoção de um piano tocado de forma exemplar (Keith Jarret, por exemplo).

Entre as Variações Goldberg interpretadas por Glen Gould e as curvas arriscadas de Senna da Silva há um som comum: melodia.

Que tem isto a ver com o comunismo?

A combustão do Sputnik, a perícia de Gagarin, os poemas de Yevtuchenko estão unidos por uma matriz que começa numa oficina. Do princípio ao fim, há todo um trabalho que conduz ao Deus Ex Machina. Isto poderá ser provado por quem se detenha na vida de um laboratório em qualquer parte do Cosmos.

O mecânico António Chiquita está para a sua garagem Manique como Da Vinci para os esquissos de engenhos voadores.

Posso dizer isto provando-o.

Um dia entrei na garagem Manique com uma presumível avaria hidráulica. Chamei o mestre Chiquita e disse das minhas suspeitas. “Vamos ouvir”, disse.

Debruçou-se então sobre o capot e pediu uma ligeira aceleração. “Devo dizer-te que andas a ser demasiado brusco com as travagens. O problema é do injector”.

Escutei o diagnóstico, surpreso com a certeza do dito. O mestre anda sempre de caderninho no bolso e lápis atrás da orelha.
“Eu faço-te um desenho” e pôs-se a rabiscar “a alma do carro”.
“Queres que um carro dure então cuida-o com esmero e não te limites às limpezas”.

O meu primeiro carro foi um Datsun 1200 de 1972. DN na matrícula como o jornal onde tinha assentado praça como estagiário. 1

Comprei-o com o primeiro ordenado ao Raul Esperto, um mecânico e piloto de automóveis que o tinha quitado para a competição. Fui até Ponte de Sôr na Rodoviária Nacional e entrei na oficina de olhos a brilhar. O Datsun estava no elevador a afinar. Esgueirei-me à cafurna do silo e fiz por aprender mais qualquer coisa do que as lições básicas do meu pai, entre ver o óleo e a pressão dos pneus, as folgas na direcção e o estado das pastilhas.

Apreciar um motor era então como ainda hoje como um burro olhar para um palácio. Fui dar uma volta à terra com o Raul Esperto ao volante, a explicar-me a ciência da tracção à retaguarda.

“Se aprenderes a dominar os piões vais dar-te bem”, disse.

Antes de me fazer à estrada de regresso a Lisboa fui para um descampado ensaiar valsas. Primeira, segunda, terceira, travão de mão e zumba, o carro a rodopiar como um fuso.

Saí a todo o pano estrada fora rente às águas de Montargil. Prego a fundo até para lá de onde se podia contar a velocidade, o ar dos camiões a soprar quente pelas janelas, os cheiros do carro misturados com os odores das paisagens a perder de vista.

Na chegada à Lisboa o tubo de escape caiu e quase fiz um cavalinho. Fiquei desolado e lá fui de reboque para a oficina de um amigo do Esperto onde levei um puxão de orelhas.

“É uma ganda máquina mas já leva 20 anos de estrada”, ralhou o Esperto ao telefone no PBX.

Foram muitas as viagens até Ponte de Sôr para ter as mãos, os olhos e os ouvidos do Esperto a cuidarem do Datsun. Até ao dia em que como todos as vidas tudo se acaba. Regressado de mais uma revisão, de pneus insuflados e um sol de rachar ia a toda a brida a serpentear as curvas da barragem quando um patego entrou sem parar na via rápida e quase me levou para o Além.

Só me lembro de rodopiar nos ares e ir aterrar numa valeta, de volante rachado ao meio e metade do corpo fora da janela. Por acasos insondáveis, segundos antes de fazer a curva abri a janela do meu lado em par e saí cuspido no lugar de ficar esmagado entre o tejadilho e os bancos.

O patego sobreviveu à aselhice e ao susto e tornou-se meu leitor até hoje.

Photo by Matthew T Rader on Unsplash

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DINHEIRO

DINHEIRO

Outubro 20, 2020 por tiagosalazar.com

Esta palavra não está ali atrás por acaso. Podia estar SEXO ou BENFICA. São palavras ecoosas (uma palavra que não existe mas podia existir). Têm o condão de atiçar as sinapses, para o bem e para o mal. De que falamos quando falamos de dinheiro? Necessidade, antes de mais. Seria necessário, no prolongar evidente desta pandemia – e das que mais cedo ou mais tarde virão -, melhores formas de aplacar os que caem por serem mais frágeis, já que os que morrem só contam para as estatísticas. Agir numa lógica cooperativa (sem mulas) em que os de cima ajudam os de baixo. Entre os de cima estão os governos, os ricos, os mais habilitados a agir num sentido comunal e a garantir a repartição da riqueza, porque embora também lerpem os ricos de uma qualquer doença, quem mais morre são os que não podem ter a ajuda devida. A doação de um salário do Dr. Mexia, por exemplo, estou certo de que daria para sustentar a despesa de um mês aos habitantes carenciados do bairro do Areeiro. 

Não morrerão portugueses, para falar só dos nossos indígenas, apenas vítimas do vírus, se não houver o cuidado imediato em acelerar medidas de apoio generalizadas. Alguns morrerão de fome. A peregrina ideia abatida por petição do RTP Fest demonstra que nem todos dormem. Em França, já há muitos anos que se instituiu um rendimento básico garantido para artistas (fora outras formas de subsídio), de molde a estes poderem ter comida e tecto assegurados. É uma ideia bem esgalhada, digamos assim, que muitos acharão um convite para a preguiça. Pobre do artista que se contenta com um rendimento básico para se tornar inepto na sua labuta. O desejo da inutilidade de Hugo Pratt e o Direito à Preguiça, como o reclamou Paul Lafargue, são dois bons exemplos de que há arte no fazer nada.  

Há uma anedota de um pescador de caranguejos que pesca sentado com um balde ao lado destapado. Alguém passa e avisa-o de que os caranguejos estão a tentar escapar-se, ao que o pescador responde, não se preocupe são de raça portuguesa, quando um se está a escapar vem o debaixo e puxa-lhe as patas. 

Talvez seja hora de lhes dar cabo da raça.

Photo by Sara Kurfeß on Unsplash

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O amor nos tempos de COVID (capítulo extra)

O amor nos tempos de COVID (capítulo extra)

Abril 8, 2020 por tiagosalazar.com

O chef Lubomir foi dos poucos desabridos a incluir o sexo na base da sua dieta de quarentena. Vindo de um chef (sem papas na língua) é de estimar o papel dos ingredientes carnívoros na sobrevivência. Posto isto, e fugindo de imaginar como é o corte do chef e as suas maneiras à cama, recorro ao poema “É Importante Foder”, de M. Cesariny de Vasconcelos.

Ora:

É importante foder(ou não foder)?
É evidente que não, não é importante.
Fode quem fode e não fode quem não quer.
Com isso ninguém tem nada
Mas mesmo nada
A ver.

(N.A. Nada tendo a ver com os vossos actos, e sem me querer apóstolo do maldoror, penso no sofrimento de quem vive refém do amor digital, e volto ao poeta)

O que um tanto me tolhe é não poder confiar
Numa coisa que estica e depois encolhe,
Uma coisa que é mole e se põe a endurar e
A dilatar, a dilatar
Até não se poder nem deixar andar
Para depois se sumir
E dar vontade de rir e d’ir urinar.

(N.A. Aqui, expando-me para as sístoles e diástoles, penso que todo o mal se eclipsa, todo o valente se caga, o vírus é democrático)

Isso quiz dizer naquele verso louco que tenho ao pé:
“O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é”
Verso que, como sempre, terá ficado por perceber(por mim até).

Também aquela do “outrora-agora” e do “ah pode ser tu sendo eu”
Foi um bom trabalho
Para continuar tudo co’a cara de caralho
Que todos já tinham e vão continuar a ter
Antes, durante e depois de morrer.

(N.A. Em suma, o importante é não desanimar)

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O amor nos tempos de COVID

O amor nos tempos de COVID

Abril 8, 2020 por tiagosalazar.com

Haverá por estes dias muitos casais (de papel, filhos e de contas) confinados a uma realidade inesperada. Casais de faz de conta, presos a outras crises, com os seus respetivos amantes noutros confinamentos, a quem endereçam missivas desesperadas.

Enquanto isso, porque a fome de ternura e desejo é como uma enxurrada, abraçam no seu desespero o ente encornado. Alguns talvez redescubram os porquês de estarem juntos e, na dor, na angústia, na incógnita de se verem subitamente outra vez cara a cara, corpo a corpo, voltem a equacionar a demanda do tempo perdido e o perdão de todos os pecados não originais.

Talvez nasçam filhos para cobrir o morticínio e a demografia se equilibre, como a Natureza depois do terremoto, do tsunami, do fogo e da tempestade.

Onde houver amor, Amor sobrará.

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O bem e o mal (ou a tentação do bem)

O bem e o mal (ou a tentação do bem)

Junho 12, 2019 por tiagosalazar.com

A todos os instantes, somos confrontados com acções e reacções. O FB, e a opinião pública vulgarizada nas ditas redes sociais, trouxe um dado novo: a prática do julgamento, muitas vezes irreflectido, sumário, encarniçado e boçal, pois não há crivo auto-censor, e a censura é limitada à pornografia (se fôssemos lidos e editados e censurados perdia a piada).

Se pensarmos antes de dizer ou escrever, arredados do calor do pensamento contagiado, em protesto que resvala para a infâmia, seremos decerto mais justos. Em todas as nações há maus, e bons. Em todos os lugares.

Criticar e denunciar práticas atentatórias do respeito pelo outro, como é o caso Bolsonaro ou para sermos mais chegados, os aproveitamentos pessoais em nome de um clube, de Bruno de Carvalho, é apenas uma necessidade ontológica, se nos pautamos por valores como a verdade e a integridade.

Quem sou eu, porém, para ditar as regras do jogo na condição humana, no ser português, quando num caudal de uma vida aprontei e cometi erros crassos?

Um erro, contudo, nunca cometerei: o de balbuciar. A escrita e a linguagem são demasiado valiosas para serem esbanjadas. Não importa se lido por 1 ou 1 milhão.

Photo by Georgia de Lotz on Unsplash

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A mentira (nas relações)

A mentira (nas relações)

Junho 11, 2019 por tiagosalazar.com

Todos, em alguma medida, mentimos. 

A exposição (íntima ou social) à mentira é um rombo na credibilidade. Irreversível no bom relacionamento dos intervenientes, na maior parte dos casos.

Há atenuantes para a mentira mas nunca deixa de ser mentira: mentir a si próprio; a mentirinha fantasiosa e caridosa (para não magoar); a dissimulação; a ocultação; a mentira por conta de outrem (a protecção dos filhos, dos amigos).

A ambivalência da vida humana leva a caber num mesmo indivíduo, o bem e o mal, a verdade e a mentira.

Sobre a mentira “sexual”, já citei diversas vezes o escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que não era coxo, e tenho esta questão literária pendente nesta frase tragicómica: “Se todo o mundo falasse da vida íntima de todo o mundo ninguém falava com ninguém”.

No dia em que formos capazes de viver em verdade apenas já não seremos homens.

A verdade solene é para os santos.

Os homens são criaturas do errado.

Photo by Sascha Matuschak on Unsplash

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O amor é fodido (tens toda a razão, caro MEC)

O amor é fodido (tens toda a razão, caro MEC)

Junho 10, 2019 por tiagosalazar.com

Primeiro, o encontro inesperado, ou talvez Deus a escrever direito para endireitar as linhas tortas. O karma mútuo, talvez, para se aprender a amar para além do prazer e do ego narciso. Eu pecador me confesso: fiz (faço) tudo por aprender a lição. Por cumprir o meu destino. Por dar sem aspirar à troca por troca, ao olho por olho.

Fiz tudo por louvar e honrar a nobre arte do Amor, sem me deixar tentar pelas emoções primárias (as asas do desejo), sem ceder aos caprichos da razão.

Fiz, faço, farei e tudo faria tal como fiz, sem remorso.

Em tudo isto, não houve um instante em que não pensasse como o verbo fornicar, tão brejeiro, não passa do latim unir. 

Photo on Foter.com

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Camarada Salazar

Camarada Salazar

Abril 27, 2018 por tiagosalazar.com

A motivação é um aspecto intrigante quando pensamos em validar (ou dispensar) um indivíduo. Por exemplo, o borrego manso do PSD, notório arrivista, ao fantasiar (digamos assim) dados do seu percurso curricular num tempo de acesso fácil ao mais ínfimo e sórdido detalhe, põe a sua cabeça no cepo. Quem quer os laranjas mantidos no chão da sua peçonha ainda a tresandar, agradece. Quem pratica o ofício do humorismo, regozija-se. Quem se preocupa com o valor dos animais políticos, entristece-se. Por estes e por outros, se ensombra qualquer alma hoje dedicada com honestidade ao ofício mais nobre da civilização, a Política.

Hoje, para que se saiba sem intermediários, juntei oficialmente os trapinhos com a única força política viril, diria mesmo entumescida, na qual leio, vejo, oiço e sinto capacidades frontais e acções consistentes onde habitem as palavras liberdade, coragem, frontalidade e integridade. Não me movem o oportunismo, a avença, a agremiação de mais leitores. Não tenho aspirações a grande mufti ou a discursar perante tribunas de plebeus sanguinários.

Agrada-me doravante ser chamado Camarada Salazar, erguer os copos com um líder assertivo de nome de índio, ter na linhagem de fundadores um escritor, artista e pensador dos mais combativos e brilhantes que o país conheceu e seguir uma tradição antiga, onde o mote sem dogma é trabalhar para o bem comum e não para o benefício de alguns.

Photo by pedrosimoes7 on Foter.com / CC BY

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Yoga

Yoga

Novembro 22, 2017 por tiagosalazar.com

Para o professor Carlos Rui Ferreira do Centro Português de Yoga

Aguentar os cavalos

O primeiro asana não foi determinante. Julgo que teria uns 20 anos, e o corpo era então para mim um absoluto desconhecido. Conhecia‐lhe os pêlos, que odiava, a maçã‐de‐adão, que me dava comichão sempre que lhe tocava, e a memória (jónica) de um pé‐de‐atleta. Gostava dos meus braços firmes, das veias salientes e de fazer pinos, pontes e flic‐flaques. Talvez por isso tenha ganho simpatia imediata pelo primeiro Urdhva Dhanurasana que fiz, como se costuma dizer, com uma perna às costas. De resto, sentia‐me um calhau com olhos que sonhava ser bailarino ou voar nas passarelas.

O professor, um «mestre» suspeito, chamava‐se António e era um rapaz impertinente que vociferava: «o Yôga não é o Yoga!» Segundo ele, o som nasalado era o som verdadeiro, o caminho do samadhi. De Yoga ou Yôga eu pouco sabia, mas recordo‐me que ouvira de todos os entendidos ser este o «caminho da união». Esbocei o meu primeiro Tadasana, também chamado de Samasthiti, sem saber que de nada me valeriam os pinos e as pontes, se não entendesse o simbolismo da firmeza e da determinação que definem o Tada (a montanha).

Na verdade, estava deserto de me raspar da classe, pois a macaqueação de nos vestirem todos, os rapazes, de licra azul, e as raparigas de maillot rosa, deixara‐me em estado de choque. A minha personalidade não admitia fardas (parecíamos, de facto, soldadinhos de cu de chumbo) e de então para cá continuo a teimar nessa objecção.

Quando a classe terminou, com uma coreogra a apoteótica de Pranayamas (a que chamavam «inalações positivas») disse ao professor António que tinha gostado muito do cheiro a incenso e dos címbalos de fundo, mas que aquilo era areia a mais para a minha trotineta. Passaram sete anos até voltar a uma classe de Yoga, desta vez sem o empecilho do «ô».

Era então um feliz pugilista, de costas arqueadas para dentro, belos bíceps e pernas como longarinas, mas do corpo (dos corpos) continuava um desconhecedor. A minha companheira, que saíra das aulas de dança para um ashram (em pontas) insistia: «Tens de experimentar. Vai‐te fazer bem. Vai‐te domar o feitio.» Tinha ficado com o trauma das licras azuis e dos finais apoteóticos, mas acabei por experimentar.

Recordo que saí da classe a pensar coisas como: «Amanhã não me mexo; afinal isto não é uma ginástica exótica; de que me adiantam os músculos se não sei coordenar a respiração?; se calhar é com isto que vou aguentar os cavalos.»

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Biografias

Biografias

Novembro 21, 2017 por tiagosalazar.com

Todos somos biografias inventadas, mesmo as escritas pelo nosso próprio punho. Somos este e somos o outro.

Todos temos o bem e o mal encarnado, assim como temos a possibilidade de escolha. Todos temos que lidar com as nossas naturezas e fazer pela vida com aquilo que nos é dado viver, as nossa faculdades, não deixando nunca de estarmos à mercê do destino, por mais conscientes das nossas decisões e escolhas.

Tudo o que fazemos tem apenas uma razão de ser que é sermos. Sermos humanos.

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Miragem

Miragem

Novembro 13, 2017 por tiagosalazar.com

Naquele dia não tencionava ir àquele café.
Fui levantar o visto e disseram-me que só o podiam entregar às 12h.
Tinha o tempo contado para estudar.
Cruzei-me com uma senhora velhinha muito querida, perguntei-lhe onde havia uma papelaria para encadernar o meu trabalho; respondeu-me: acho que aqui não há, no entanto, vá ao café “Careca” e vai ver que vai gostar, vá… sente-se um pouco e divirta-se.
Agradeci a amabilidade e entre sorrisos e despedidas, despedi-me da velhinha tão bonita… e fui.
Estava longe de te encontrar e encontrei-te.

Oiço a tua voz onde quer que vá
Na serra
Nos candeeiros
Entre todas as linhas que eram tortas
Entranhada na terra com raízes de fogo
E de repente também tu és eu

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Filha

Filha

Novembro 10, 2017 por tiagosalazar.com

Tu és a rainha.
Tu és a Rainha.
Tu és o amor.
Tu és o Amor (onde nada é verbo condicional).
Apenas tu e eu,
apenas tu e eu, meu amor,
o escutamos.
Filha.
Filha feita do sangue da lava.
Filha feita da paixão (onde mais Sou).
Filha feita do Desejo (onde mais vivi).
Filha, a Desejada.
Através de todos os tempos serás Amor.
Amor livre, amor alegre.
Flor epífita.

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Amor

Amor

Novembro 9, 2017 por tiagosalazar.com

É estranho termos tão poucos laços com a natureza, com os insectos, com a rã saltitante e com o mocho que pia por entre os outeiros, chamando a sua companheira. Nunca demonstramos ter uma certa simpatia por todos os seres vivos da terra. Se pudéssemos estabelecer uma relação intensa com a Natureza, nunca mataríamos um animal para saciar o nosso apetite, nunca feriríamos nem dissecaríamos um macaco, um cão, uma cobaia para nosso proveito. Encontraríamos outras formas de cicatrizar as nossas feridas, curar os nossos corações. […]

O ser humano matou e continua a matar milhões de baleias e tudo o que obtemos desse massacre pode ser conseguido por outros meios. Mas, ao que parece, o Homem gosta de matar, gosta de matar o veado em fuga, a gazela maravilhosa e o elefante pujante. Adoramos matar-nos uns aos outros. Esta chacina humana nunca se deteve em toda a história da vida do Homem na Terra. Se conseguíssemos – e é imperativo fazê-lo – estabelecer uma relação profunda e duradoura com a Natureza, com as árvores, os arbustos, as flores, a erva e as nuvens velozes, nunca mais massacraríamos outro ser humano, por motivo algum.

Assassínio organizado é sinónimo de guerra.”

Jiddu Krishnamurti, Natureza e Meio Ambiente, Edições 70, 1997, p. 71.

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Apareçam no Festival Books & Memories

Apareçam no Festival Books & Memories

Novembro 6, 2017 por tiagosalazar.com

Sessão “Viagem Interior”

Escrever em tempo real uma série de textos sobre a acção do Neurofeedback dentro de um cubo de nome In Between the Box.

Os textos serão feitos a partir de palavras-chave como ira, ciúme, amor, amizade, desejo, morte.

Cada sessão terá a duração de 20 minutos, que é o tempo da bateria do capacete.

Os textos serão mostrados ao público à medida que estão a ser feitos, numa espécie de escrita automática e as emoções que ocorrem na mente são projectadas (e posteriormente comentadas pelo neurocientista).

O barómetro de cores explica o que está a acontecer.

Os textos nascerão de memórias e do que passa pela mente em tempo real.

Esta “Viagem Interior” será inspirada parcialmente neste texto do mestre J. Rentes de Carvalho

Despimo-nos quando escrevemos. Banal ou não, cada frase é um momento de Striptease, um apelo, uma cedência, um desejo, um grito, por vezes um pedido de esmola, um anseio de carinho.
Pelos jornais passo os olhos, há muito enojado do conteúdo rasca – “Mamas e Cuecas de Cristina Ferreira”, pais violadores, mortos no contramão, idosa assaltada – e no Facebook não entro, o tempo que me sobra dos livros gasto-o, fascinado, na leitura ou na visita de blogues. Demorando nos favoritos, lendo aqui e ali criquices e futilidades, lamentos, choros escondidos, dor funda, poesia sem jeito, para de súbito topar com boa prosa e verdadeira ciência, um poema que alegra, um desabafo que comove.
Quando os anos findam aparecem dessas listas a classificar o melhor disto, o número um daquilo, já no passado as vi de autores de blogues que mutuamente trocavam elogios e galhardetes. Mas no meu parecer é hora de que um desses académicos que se esfalfam nas análises de Saussure, Barthes, Derrida e Baudrillard, se deite a estudar a blogosfera portuguesa. Cuidando, todavia, em deixar o trigo e o joio. Nada de escolhas, prémios ou separações, pois é a amálgama do bom, do sofrível, do mau, do ridículo e do péssimo que faz o encanto desta destravada barafunda em que, voluntariamente ou por descuido, mostramos muito do que somos, do que nos diverte e aflige. De facto um Striptease.

Apareçam no dia 13, às 18h na Biblioteca Municipal de Alcobaça.

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Rondas da Noite

Rondas da Noite

Novembro 6, 2017 por tiagosalazar.com

Nos idos anos 90 a Kapital era um clube da moda. Entrar na fortaleza dos irmãos Rocha significava ter a caução do Olimpo. Os anónimos e sem cheta como eu tentavam a sorte, e se os porteiros amáveis estivessem para aí virados (diante de uma nota gorda), lá se tinha a lotaria da passadeira desimpedida.

A forma de barrar a entrada era patibular: pagar a taxa máxima (5000 escudos). Bastava dizer com um sorriso lacónico que a roupa não condizia com o perfil da casa para deixar à porta o candidato ao templo. Por exemplo, aparecer no portal dos Zeus com umas calças à boca de sino, uns sapatos de bico, um blazer de cor garrida, um papillon vistoso ou um penteado de cabeleireiro subversivo era assinar a sentença do degredo dos párias.

Um dia, por protestar contra as regras pífias da casa K, fui agarrado pelo cachaço como um gato mal comportado e largado no meio da Av. 24 de Julho com o dichote de que da próxima seria pior. Ou seja, uns sopapos à fuzileiro, e alcatrão e penas. Nunca percebi as políticas do bastão e da cenoura. Mas por causa das tosses e das agruras da vida de animal social, lá fui inscrever-me no boxe do Sporting, a única afinidade com a família K.

Um dia voltei a ser assíduo da Kapital por conta de uma amizade providencial, o porteiro Miguel Ângelo, que por conta de uma entrevista me fez persona grata. Durante um tempo, encarei as saídas nocturnas como um exercício de sociologia. Vi gente sem nada a apontar a não ser a cor da pele ou a roupa mal enjorcada (segundo os padrões de gosto da casa K) bater em retirada ou ser corrida a pontapé se lhes dava para reagir à sentença. No caso da semana, o 38º episódio de violência gratuita num dos 30 estabelecimentos dos senhores K, o mais insólito é ouvir um causídico de defesa dos ursos dizer que o problema dos seus clientes foi o dia ter corrido mal.

Como se a azia nocturna do profissional encartado para zelar pela segurança pudesse justificar um arraial de porrada a um frango de aviário rodeado de pintainhos aflitos cuja única ameaça partiu de uma suspeita infundada de estarem ali ao ataque de carteiras de turistas desprotegidos.

Photo credit: rot grad via Foter.com / CC BY-NC-ND

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© 2023 · Tiago Salazar · Por Kaksi Media

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