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Tiago Salazar

O 'Moturista' acidental em Lisboa

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Da Justiça (em Portugal)

Da Justiça (em Portugal)

Novembro 1, 2017 por tiagosalazar.com

Os senhores juízes do alto das suas tribunas ajuízam a partir de factos consumados. Julgam a partir de acções onde quadram verbos como: bater, violar, estuprar, furtar, burlar. O verbo corresponde ao sujeito. O facto corresponde à acção. O que levou ao facto é matéria subjectiva. Tanto é sujeito o que comete como o que julga e dita sentença (quase sempre atenuável por conta de tolerância com a patifaria).

O que é uma sentença exemplar? Mandar para a forca quem privou de vida na cegueira da sua conduta desmiolada? Há justificação para o crime, a sangue quente ou frio?

Tudo pode ser justificável diante da insanidade. O pirómano. O adúltero. O assassino. O violador. O pedófilo. O corrupto. Todos algures bons rapazes e boas raparigas, um dia desgraçados pela inconsciência do acto tresloucado, à mercê do martelo justiceiro a embater veemente, solene, soberano, na tabuínha do senhor juiz. Juiz e carrasco, uma parelha indissociável a quem se junta um terceiro elemento: o prevaricador.

E nós, aqui, indignados, importantes, impotentes, resignados, a julgarmos também, os julgamentos pacóvios e arcaicos do senhor tripeiro de batina.

Photo credit: ming1967 via Foter.com / CC BY

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Os fogos e a inquisição

Os fogos e a inquisição

Outubro 31, 2017 por tiagosalazar.com

Perante a morte (e é de mortes que se trata, de pessoas, animais e vegetais) o assunto porventura mais relevante não é o rolar de cabeças de ministros, autarcas, presidentes de junta e senhores feudais, nem decerto o escutar das nossas doutas cabeças facebookianas pensantes e indignadas. Ele será talvez: como evitar aquilo que quase sempre é um acto premeditado, de mão criminosa, e não um deflagrar irado da mãe natureza? Como aplicar sanções criminais se é quase sempre de que crime que se trata? Crime de pirómanos, crime de negligentes, crime de caciques atrás de negócio chorudo no rescaldo da bonança.

Um conceito solidário (pela música, a poesia, a missiva sensível ou sensata) é belo enquanto dele nasce um efeito de fraternidade à luz baça de um rasto de fumo de mortalhas. Diante do horror, o belo não é a palavra em falta. A palavra justa e necessária, impregnada de triste metáfora por honra de quem esgrime à mangueirada, a palavra certa é combate.

Contra quem fogos atiça e com fogo mata.

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Apresentação do livro O Moturista Acidental de Tiago Salazar

Apresentação do livro O Moturista Acidental de Tiago Salazar

Outubro 30, 2017 por tiagosalazar.com

Caríssimos, venho por este singelo meio convidar-vos a estarem presentes neste fabuloso acontecimento literário.

Estarei lado a lado e de frente a frente com malta do Norte, da melhor que o mundo tem.

Vinde. Depois há farra.

 

Local: Livraria Centésima Página (Braga)

Data: 3 de Novembro

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A menina que dava pulos gandes

A menina que dava pulos gandes

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Isto começa assim. Era uma Margarida cheia de pressa. A Margarida além de apressada era muito pespineta ó lá como se chamam às raparigas cheias de vontade de chegar ao tamanho dos grandes sem saberem que os grandes, às vezes, também querem chegar ao tamanho dos pequenos porque quando estão pequenos são mais felizes. A Margarida tinha uma mania que era andar sempre aos pulos, como também há muitos grandes que têm, e às vezes dão trambolhões de escadas e barrancos e ribanceiras e até de montanhas, porque nos pequenos, essa coisa das alturas é apenas o lugar de onde se tem a vista mais bonita.

(entretanto, do outro lado da casa…)

Será que a Margarida pode esperar mais um bocadinho? – perguntou o Martim. Margarida, espera! grita o Martim, de coelha mãe debaixo do braço e regador na mão. Em correria louca segue a flor mais jovem do meu quintal, e quase em simultâneo aterram ambos no canteiro dos amores-perfeitos!

Não sei se já perceberam, mas a Margarida podia ser uma flor (uma trepadeira ou uma sequóia ou um baobab). Podia, mas não lhe deu para aí. Ela tem grandes olhos castanhos (o caule) e na cabeça saltitam-lhe caracóis como limos verdes, porque além de andar aos pulos o dia todo, a Margarida gosta de dormir a sesta (sim, uma coelha também dorme), numa toca no quintal das traseiras da nossa casa que é a casa de um esquilo que gostava de ser aviador. A Margarida no fundo no fundo queria era ser coelha, enquanto o Martim ficava contente se já chegasse a carro de corrida, ou como lhe chamamos cá em casa, a carapau de corrida.

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A Vida

A Vida

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

“Ele há coisa mais superlativa? A sensação de estar vivo, a envelhecer saudável. O alive and kicking. O poder de ser(mos) homos artisticus em tudo o que fazemos. Ainda que ela seja frágil, complexa, contraditória, e breve, ou breve para tanto quanto se pode fazer com ela.

2. A paixão
Nada na vida, na minha pelo menos, é feito sem paixão. Pode ser um escrito, um abraço, uma corrida. Pode ser guiar um estrangeiro nas ruas da minha cidade. Pode ser responder a um inquérito. Tem que haver fogo. Fogo criador.

3. A casa
Seja a viajar e ter como casa de ocasião um quarto de hotel, seja a casa onde moram os meus amores (a família, os livros, os discos, os quadros), é lá que renasço. Ter uma vista como uma gávea é imperativo.

4.Livros
Nunca estive um dia sem um livro. Um livro a ler. A livro a escrever. Um livro como um gato a quem possa aconchegar.

5. Carros
O meu avô Gomes tinha um stand. Cresci entre carros, quando ainda se podiam distinguir ao detalhe as marcas e os modelos. Por exemplo, o Fiat 600, o Mini, o Austin. Lembro-me de andar no Lotus Elan do meu pai e experimentar a adrenalina de um Fangio. Tinha uma colecção infindável de carrinhos de brincar e uma das minhas brincadeiras favoritas era desenhar os meus próprios circuitos. Um dia, prometi ao meu botão esquerdo, terei um Aston Martin e/ou um Ferrari 330.

6. Viajar
Parece que há um gene responsável pelo instinto de partir. Esse habita-me desde os tempos de criança no bairro de Alvalade. Morar ao lado do aeroporto e ver os aviões a passar rente à janela do meu quarto deve ter aguçado o desassossego. Não pretendo encontrar a cura.

7. Yoga
O professor Carlos Rui do Centro Português de Yoga é o grande responsável por este amor tardio. Esticar o esqueleto todos os dias passou a ser uma questão de vida, na esperança de chegar a velho mais espadaúdo ou sem a marreca típica dos Salazares.

8. Charutos
O meu amigo Eduardo Miragaia, velho camarada do Jornalismo, iniciou-me neste prazer superlativo. É um ritual nocturno, sobretudo, ter um puro entredentes, e vê-lo dissipar-se num fumo lento, como tudo o que é importante, deve ser feito com o vagar de quem sobe.

9. Piano
O som do piano tocado de forma exímia (por um João Paulo Esteves da Silva, por exemplo, outra figura máxima na minha vida), é uma das forças vitais do meu equilíbrio. Glen Gould, Keith Jarret, são parte do meu ideal de Olimpo.

10. Sexo
Ficou para o fim, mas podia estar no princípio. Pode ser lido de viés, dito assim, mas como imaginar a Vida sem os prazeres de Eros (ou de Cápua)? Aprendi umas coisas a ler o Henry Miller, muito além da pornografia. Coisas da vida como ela é sem filtros. O sexo de que falo é o do sexo movido a amor, essa matéria de peso e maior enigma da humanidade em sobressalto.

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Vendas online

Vendas online

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Uma advertência: esta junta autónoma de tópicos apenas pretende deixar a terreiro um par de ideias anti-tésicas sobre o negócio dos livros e outros que tais.

Quem vende online (livros ou pentelhos ou livros-pentelhos) fá-lo, no caso dos livros, para contornar uma realidade muitas vezes usurária chamada negócio editorial.

Uma editora de peso terá o peso e (as medidas) para levar o objecto-livro mais além, e não é de somenos o trabalho (e o investimento) com um autor, correndo e pagando esta os riscos, e sem a certeza de que por melhor o autor e a obra não redunde num fiasco de vendas. Estamos no território da venda e da compra, e há-que saber vender e saber o que se está a comprar.

O autor que vende os seus objectos online (como o fazem grandes artistas, basta ver os músicos de jazz nacionais cujo trabalho de outro modo mal chegaria aos ouvintes, à falta de meios de divulgação) fá-lo porque lhe é lícito, e porque assim precisa, pois nem às costas da Imprensa lhe é garantido o êxito comercial. Podia dizer de outra maneira sem asneira: porque só assim lhe é garantido o suficiente para continuar a desenvolver o seu trabalho.

Só uma mentalidade pequeno burguesa achará menor, rasca, reles, o autor utilizar as plataformas ao seu dispor, seja o FB ou os bancos de jardim, para fazer o seu comércio livre. Nisto, do comércio, que a todos assiste, em maior ou menor grau de ambição e necessidade, não há como apodar de reles, rasca ou menor, o autor que se predispõe a vender o seu trabalho, simplesmente porque é a única coisa que tem para vender, donde, para se alimentar, e assim continuar o seu trabalho. Balzac antes de ser o personagem anafado e burguês e best-seller foi um anónimo escanzelado. Torga, o professor de temperamento difícil, editava e vendia os seus livros sem dar comissão ou avença a outrém.

O Editor, a Editora, não é uma entidade carniceira só porque sim. Acontece que se a prática instalada de comissionar anda entre os 7 e os 12% do valor total do livro (o PVP), o autor é quem menos ordena. Donde, é-lhe lícito seguir as regras do mercado livre e negociar melhores condições para si. Pode ainda acontecer, como é meu caso recente, ter um livro diferente, digamos assim, de edição limitada, em capa dura e ilustrado, e de conteúdos menos comerciais, digamos assim, e optar por chegar a vós, os meus leitores do mundo virtual, incitando à compra deste objecto singular. Compra quem quer, mas ao menos digne-se a ler para poder comentar.

Por falar nisso, vai um livro?

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O Trabalho Liberta

O Trabalho Liberta

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

O meu primeiro trabalho, à jorna, foi na vindima da Quinta da Murta, no Cadaval. Acordava às 4h30 e na alvorada juntava-me aos homens e mulheres, para um dia de tesourada e carrego. Tinha 13 anos.

O motivo era ganhar uns cobres para comprar uma Semente (uma prancha de surf), mas dei por mim a sentir o contentamento de ter o retorno justo por conta de um trabalho honesto. Era trabalho pesado, se entendermos como tal acordar noite cerrada, sair a monte entre desconhecidos a cheirar a cebola num tractor a tresandar a caca de rato e terebintina, ainda noite gelada, andar agachado a cortar esgalhas, estraçalhar os dedos sem de que de nada valessem umas luvas de coiro, e acabar o dia cheio de dores e mazelas, refastelado numa velha banheira de esmalte caserna.

De então para cá, nunca mais parei de fazer o que quer que fosse para ter a mesada (ou a semanada) que nunca tive. Fui desde caddie, a vendedor de bolas de golfe apanhadas nos matos e silvas, nadador salvador, explicador de inglês, estafeta, e, aos 18 anos, estreei-me no Jornalismo como aprendiz de ilustres figuras como o Eduardo Miragaia, a Maria Augusta Silva, o Ferreira Fernandes e o Eurico de Barros para nomear só alguns. Tive a sorte de conhecer muito cedo o valor das palavras brio e tarimba. Eram horas infindas a ler jornais e revistas (antes do mundo virtual), a escrever à mão e à máquina, a andar no batente atrás de histórias, por vezes com incidentes violentos, por conta de entrevistados desavindos, e gente pouco interessada em ser confrontada com a verdade. Nunca deixei o jornalismo como se abandona uma arte caduca, e hoje, 27 anos depois, sempre que há razões para contar uma história, é por este ofício que atalho.
Escrevo todos os dias, uma linha que seja, e por vezes, rasgo-a ou apago-a, por nada lhe sentir.

Acumulo há anos trabalhos para ganhar a vida, quase todos onde quadre a comunicação, seja o de guia, chófer, carregador de pianos ou o diabo a 7. Digo-o com orgulho de plebeu, sabendo como é injusto olhar para quem anda na estrada, a viajar e a escrever, sem ser a conduzir um TIR, achando ser esse ofício menor, sem lhe reconhecer seriedade, quando andar na rua, entre os homens, longe dos púlpitos dos inacessíveis, é o mais sério e fundo que um homem pode para saber como é duro para a maioria ganhar com honra a vida.

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Portugal

Portugal

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Devo ter esbarrado com a primeira ideia de Portugalidade na escola primária ao estudar os antigos povos da nossa terra. Conservo a teoria desta terra como um torrão apetecível (espécie de Éden revisitado) onde pontuaram desde os celtas, aos iberos, suevos, alanos, visigodos, fenícios, antes dos domínios romanos e árabes, todos à babugem de um poiso de veraneio.
Ao passear hoje um turista em Lisboa dou por mim a pensar no poema Invitation au Voyage, de Baudelaire, e de como a minha ideia de Portugalidade insiste em ser a de um lugar ao sol onde povos sucessivos campearam para se instalarem, mas no final sobrou um gueto feliz, oásis de turistas em sobressalto, um dos poucos lugares do mundo onde é possível uma mesma rua alojar um muçulmano, um judeu e um ateu sem a noite acabar num paiol de pancadaria.

Penso em rojões e sopa de pedra e caralhotas, discussões pífias de futebol, em poetas e versejadores, em mandriões e mânfios e tanas e badanas e sacanas e manhosos mas tudo malta convencida de que é porreira e de bom coração, penso em operetas e óperas bufas, penso em quezílias de como a minha é maior do que a tua, penso na inveja endémica do que é diferente e fora do baralho, penso em quem parte a loiça poder acabar todo partido, penso no Sporting entregue aos bichos, penso no Nuno Bragança e no Ernesto Sampaio que dizia ser esta uma terra de bimbos, mas a ocidente não conhecer outra melhor.

Viajar fez-me concluir que o português emigrado é um tipo orgulhoso do seu torrão deixado para trás onde sempre voltará, de peito feito à conquista da terra escolhida como canteiro adoptivo mas sem nunca perder de vista a pátria por mais anafada a conta bancária. Dei por mim, na qualidade de exilado, saudoso de um pão capaz, uma sopa da avó, uma diatribe de bola olho no olho na tasca do senhor Abílio, o mar ao sair da porta, a luz coada do Verão quando ainda é Inverno, o burburinho das ruas estreitas.

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Fabíola

Fabíola

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Uma primeira leitura, é como uma primeira impressão de alguém: vem-nos à cabeça (aos neurónios) uma saraivada de memórias. Neste caso, as memórias mais fortes que me ocorreram desta barriga anafada de um generoso e atento Pai, têm que ver com rabanadas (ou fatias douradas) à moda do Minho, como as fazia a minha avó Vessadas na véspera de Natal. Pensei ainda na barriga do meu próprio pai, sempre muito preocupado com a sua dieta, uma barriga sem pneus, branca como a cal, pelada e encolhida para impressionar as miúdas.

Lê-se e sente-se por osmose. Ao ler este livro cheio de amor por um pai que presumo vivo, penso e sinto, para pena minha, como sou distante de uma figura paterna assim, e como me seria difícil escrever um livro onde coubesse de fio a pavio esta imensa ternura. Escrever para crianças é uma arte suprema. Escrever e passar emoções é um dom de poucos que habita a menina-mulher Fabíola. Tanto faz o registo, se é prosa, verso de rima quebrada ou estrofe alexandrina. Se é romance ou conto infantil cheio de cores garridas, voos picados, borboleteares inocentes e sem ponta de maldade ou pequena velhacaria.

Ao ler O Que Há na Barriga do meu Pai? estou certo de estarmos diante de uma escritora de mão rara e feliz e sem vislumbres de mágoa. Um livro infantil pode ter em si uma vítima de maus tratos como podem ser a rejeição, o abandono ou a ausência de quem nos deu vida, e ainda assim ser possível sublimar as poucas memórias felizes. Feliz o autor capaz de verter beleza a cada frase, sem nunca cair no vulgar, no lamechas, no ilegível. Fabíola brinca com as palavras e desfia uma meada de sugestões decerto afins de muitas meninas (ou meninos) bem criadas e bem amadas.

É livro para crianças ou adultos capazes de conservar a infância.

É livro para releituras nocturnas capazes de darem sonhos cor-de-rosa ou azuis marinho.

É livro de palavras e imagens numa dança animada como se estivéssemos na barriga de um grande cetáceo.

Grato pelo convite e pelo prazer da leitura.

Muitas felicidades e muitos anos de vida e de escrita.

Longa vida à Fabíola!

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BB, meu mestre

BB, meu mestre

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

A morte de Baptista-Bastos é um rombo nas falanges do Jornalismo, profissão onde pontuou como poucos, reconhecendo-lhe a escola preâmbulo da melhor literatura. Conheci-o aos 19 anos, na redacção do Diário de Notícias.

Veio dar-me um calduço quando soube pelo Óscar Mascarenhas ser neto do malogrado Vítor Garcia que conhecera no tempo da Voz, do Novidades e d’ O Século Ilustrado. Antes de chegarmos à fala, pude vê-lo atravessar o corredor de vidro onde assentavam praça os grandes colunistas.

Parecia um centauro de papillon. Elegante, espadaúdo, cortês e apressado, como um repórter que nunca desarma, a mesma imagem que lhe vira 50 anos antes o escritor brasileiro Fernando Sabino numa visita a Lisboa e deixara gravada numa terna crónica.

Anos mais tarde pedi-lhe que me apresentasse um livro, “A Casa do Mundo”, e dele recordo desde logo o texto redigido à mão, onde me elogiou (com exagero generoso) a mesma ternura brutamontes do seu amado Hemingway, mestre de ambos os ofícios. BB, sigla dourada como um Papa Hem, fazia de cada prosa uma tarefa de ourives, fosse para cascar a eito contra um canalha ou em louvor de um jovem por amadurecer em quem visse talento digno.

Dizia muitas vezes que a liberdade era muito difícil e os jornalistas de hoje estavam condenados às regras pulhas do capital. Tanas, badanas e sacanas vinham-lhe desaguar muito à pena, sempre justa e loquaz e impecável. É a memória que irei conservar e honrar. Não lhe pude dizer que o meu próximo livro, sobre a nossa amada Lisboa, lhe é dedicado. Farewell Companheiro!

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Auto retrato XXIII

Auto retrato XXIII

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Menino de rua nascido à 3 pancadas, adulto auto didacta salvo por uma biblioteca e uma avó, pai sentimental e consciente dos seus deveres e direitos, cioso de um lar, uma família, um lugar de paz e prosperidade. Este também sou eu.

Creio ser este também digno de ser muito amado e respeitado. Envelhecer bem é saber que aos 45 anos posso manter a juventude sem daí me vir ao mundo infantilidade. Felizmente saudável, felizmente são de espírito e resiliente entre tanto ressentimento, mágoa, revolta e desengano, tenho uma ideia da vida muito selectiva.

Na minha ideia de mundo bonito entra quem é do amor. Quem é da comunicação. Quem é a da sinceridade. Por mais que as palavras sejam uma forma de beleza suprema, nada substitui a riqueza do perdão genuíno que pode estar num abraço pacífico, num beijo apaixonado, no fazer amor sem reservas. Digo-te o que sinto: não me sinto à altura do homem (do pai, do companheiro) que sonhaste-pensaste, embora me sinta um Homem em todos os sentidos da palavra e felizmente seja habitado pela auto-estima, de outro modo já teria sucumbido.

Não se deve confundir isto com soberba.

É apenas o reflexo de ter crescido a levar porrada e das duas uma: ou era espezinhado, ou reagia com sentido de justiça. Sinto que tudo é possível de renascer, porque até do holocausto renascem flores. Olha-se para o que foi como uma aprendizagem e avança-se com o perdão e a aceitação presentes. Olha-se o outro com olhos de amor.

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Manifesto sexual

Manifesto sexual

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Muito francamente o sexo (do bom, do muito bom, do espectacular, do superlativo absoluto sintético e analítico) comanda a minha vida. Não faço nem farei nada para o mudar na minha constelação de defeitos (pecados capitais) porque o sexo, quando é mútuo e muito bom, é a minha terapia, a minha alegria, a minha força vital.

As pessoas vivem a esconder-se, a fingir-se, a pretenderem ser o que nunca são, pouco sinceras com os seus instintos, os seus desejos primordiais, e neles o sexo reina e mina a possibilidade da criação perfeita.

Abdicar desta parte essencial do ser, do meu ser, é meio caminho andado para a solidão, a tristeza, a neurose. Antes a obsessão compulsiva de dar às ancas e ao cu do que a abstinência.

Não havendo drogas, álcool, estupefacientes e outras opções no meu cardápio de prazeres, resta o sexo como motor da minha existência frugal e espiritual, pois o sexo, como o entendo, é acima de tudo metafísica. É combustão, é fogo interior, é labareda, é ígneo, é ignição, é verdade, é vida. Sexo nascido da esperança do acto perfeito onde caralho e cona, vulva e falo, picha e rata, pila e pipi, se façam unos com a dança dos rabos da alma. O sexo é a arte do tudo à vida. Fornicar é preciso.

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45 (1972-2017)

45 (1972-2017)

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Segundo o calendário gregoriano, quando forem as 4h20 da matina perfazerei 45 anos de idade biológica (grato aos meus pais por terem ido pernoitar e dar cambalhotas à praia da Ursa e me terem abençoado com os genes do vigor atlântico).

Em teoria, vou a meio de uma vida. Se houver outras, e se outras já vivi, esta é a que me cabe viver por ora. E em boa hora a confesso ter vivido so far ou como soe dizer-se, até à data.

Há dias em que o cansaço próprio da meia-idade me toma conta dos carraços, mas ainda conservo, lá onde a vista não alcança, a pujança elefantina dos vikings minhotos e a teimosia dos mouros ribatejanos. Sou um misto de homem de Neanderthal com um tal de Johnny Depp (menos acabado). Isto, a par de uma estatura mediana de um europeu do Sul, reveste a minha auto-estima de uma aura nórdica.

Quando já nada mais convém à minha infinita tristeza de estar mais velho, digo ao meu botão esquerdo que envelhecer é do caraças (com um sorriso malandro, como o da fotografia anexada). Para todos os efeitos, ainda levanto uma carroça, avio uma grade de minis e no braço de ferro com menores enfezados raramente perco. Sou um poeta de Pondichéry que nunca escreveu um poema de jeito e por isso faz rimas traquinas como esta, escrita aos 35, revista e aumentada.

Há quem espere o Salazar
Há quem espere o Sebastião
Eu cá sou espero bazar
Com um surto de tesão

Nada mais quero desta vida
Amor com tudo, bacalhau e paixão
Baguito, dentes brancos e uma ermida
Para agasalhar os males da tensão

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Soares

Soares

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Mário Soares, a quem já chamaram de todas as coisas no jargão dos animais políticos, incluindo menchevique (O Kerensky lusitano), foi-se desta para melhor, pois o recanto na sebenta da História já o tinha desde 1974, aquando da sua ascese na Fonte Luminosa.

Nos primórdios do Jornalismo, aos tempos do Semanário do início dos anos 90, foi-me incumbida a tarefa de cobrir indeferido a viagem à Índia, uma inovação do chamado jornalismo very light. Dia a dia, baseado em relatos de telexes e nas reportagens de aqui e de acolá, lá fui escrevendo sobre um homem de quem ouvira o pior e o melhor, como é próprio dos cimeiros e da ralé.

Os reles (dito pelos seus detractores), incluindo o meu tio comunista, chamavam-lhe traidor, oportunista, usurpador, incluindo de obras de arte ofertadas enquanto chefe de Estado. A malta dos abanicos deu-lhe o cognome de Fixe, como quem alcunha um rei. Rei, soba, sultão, forma outros tantos títulos colocados no perfil do bochechas, inspirador de tantos ódios como ternuras.

Recordo agora a rábula das viagens de Soares a quem deram ainda o nome de Willy Fog, Espião da CIA, O Grande Democrata e de Gordo das 7 Partidas. Na Índia, Soares, homem bonacheirão e desabrido, alçou das suas anafadas pernas vestidas de feminino sari (de linga coberto) e subiu ao dorso de um elefante, de onde acenou como um marajá a uma plateia de súbditos integrados na comitiva ladeados por uma legião de flamingos.

Tratei de glosar aquilo que não vi in loco com uma prosa fresca e ligeira, apelando à beleza airosa dos políticos de outrora, como um Gama ou um Albuquerque, trajados a rigor, de sedas e baldaquins. Soares, o Fixe, fosse no alto de um paquiderme ou na couraça de uma tartaruga, tinha a proverbial capacidade de nunca desmobilizar o seu sorriso esfíngico e sempre a manter a máscara cabendo aos outros decifrarem a sua charada.

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O Amor conjugal III

O Amor conjugal III

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

A vida, as pessoas, tudo muda. Tudo se extingue, em última instância.

Pouco ou nada sabemos, e escrever, por exemplo, pode ser apenas uma forma mais ou menos tosca de dar corpo ao pensamento-sentimento. Sinto que a fé e a esperança tremeluzem. Sinto-te triste, desiludida e talvez deprimida.

Cantar e saíres devem ser das poucas coisas onde ainda que mascarada deverás cessar os pensamentos da embrulhada onde estás metida. É como eu com a rua, o trabalho, uma vulgar caminhada. O segredo sem enigma é que estes ínfimos escapes, um passeio, o ver o mar, a gratidão de se viver num lugar assim como Lisboa, rente ao Tejo, e ainda poder ter a sorte de ter os filhos num colégio e aspirar a uma casa bonita, podem valer tudo, quando nesse tudo já tantas vezes se sente terem sido gastas todas as palavras.

Quando penso em ir falar como uma pessoa como a Dra. Eva, que nos conhece a todos, penso em ter soluções que me escapam. Somos diferentes no exterior, no revestimento, mas na essência somos apenas dois seres humanos magoados, sofridos, medrosos do desconhecido, do porvir. Posso tentar aqui dizer-te que para mim o caminho é este: vender tudo o que está em Almeirim, tirando o que te traga boas memórias, acabar com a pena, reconstituir factualmente a história que levou a esta dureza, dar caça ao Melo e Cª, entregando a quem sabe, e viver com um plano e ciente dos limites. No fundo, é de um problema de confiança que falamos, e não a havendo plena, não pode haver entrega afim.

Vale para os dois. Zangados, magoados, traídos, são sentimentos que decerto experimentámos e experimentamos. E nessas alturas, o mais certo é pormos tudo em causa. Queres verdadeiramente que eu saia da tua vida amorosa? Não creio. Queres paz. Queres estar bem. Queres alegria. Queres sair da melancolia que corrói.

Isso pode fazer-se em conjunto no lugar de cada um procurar a sua solução. Não sou terapeuta de almas, não sou pregador impoluto e não tenho a varinha mágica, mas já vivi o suficiente para estar certo de que Amar, amar bem, amar bonito, amar maduro, é aceitar o outro sem reservas, ainda que nesse outro habitem os paradoxos, os obscuros e a incerteza, próprios da falibilidade, da fragilidade e da fraqueza a que todos, sem excepção, estamos sujeitos.

Não é por amor à família que te escrevo. É por amor a ti e ao ser humano que vejo no fundo dos teus olhos cansados e tristes onde quero voltar a ver refulgir o brilho de uma menina.

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O Amor conjugal

O Amor conjugal

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

A grandeza não está nos pergaminhos, nos actos assumidos, na assunção da vaidade.

Os grandes, os eleitos (por voto chamemos-lhe divino), os escolhidos, os iniciados, os Cristos, os Budas, não se auto elegem, auto promovem, auto brindam e auto galvanizam, como pode ser a escrita ou qualquer arte publicada.

Ao virmos aqui perorar sobre o tema A a Z, ao validarmos com a expectativa da aprovação dos amigos (e sensíveis ao apodo ou ao apito) ou ao acharmos a sapiência do texto revisto uma cortesia da inteligência podemos não estar a passar mais do que uma ideia de charlatanismo.

Será a pureza apenas possível no insulto avacalhado ou na mensagem imediata do sentimento porventura narcísico? Ao beber, acontece o inexplicável (agora, por exemplo, há meio jarro de Raposeira a borbulhar neste escrito como no sangue e nos queixumes serôdios do fígado). Acredito na escrita automática tanto quanto ela me dá de inocente e aparvalhada.

Ao mesmo tempo, se toda a criação humana e para-humana fosse resultado de impulsos estaríamos mais depressa em construção ou destruídos?

Sócrates bebeu voluntariamente a cicuta como foi sabendo do preço que todos cometemos adultérios e crimes. Ainda que o amor não acabe, doído pela gravidade da confiança sofrida, nunca mais será como antes, como no tempo de todas as coisas possíveis, podendo no entanto e por paradoxo ser muito mais Amor, muito mais próximo do divino onde apenas cabe a compaixão.

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Fidel a si próprio

Fidel a si próprio

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Finou-se Fidel, El Comandante, o barbudo mais célebre da segunda metade do século XX, guerrilheiro, causídico e putativo carniceiro, e o mundo divide-se, incluindo a Lusitânia onde pululam os detractores e simpatizantes sem vislumbre de neutrais. A simpatia por revolucionários tenho-a mais vincada por um benigno Krishnamurti ou assim.

Entre os diabos promíscuos, ávidos e de fatiotas endomingadas de Fulgêncio Baptista e Lucky Luciano e os virtuosos depositores do regime fascista, salvam-se, por morte prematura, El Che ou Camilo Cienfuegos, ambos postos ao fresco pelo tirano Fidel.

Fidel nunca passou disso, de um tirano obtuso, apostado em fazer da sua profana ilha um modelo de estóicas virtudes à custa da ordem estabelecida pelo seu diktat. Vi com os meus próprios olhos a ilha virtuosa entregue a outro tipo de capos, tão ou mais pérfidos na defesa da sua obra de sanha como os depostos acólitos da América gananciosa e prostituta.

Não me sairá nunca da cabeça o passeio a céu aberto com um velho engenheiro, arrumador de cadeiras no balneário do Malecón, a mostrar-me comovido onde dias antes tinham sido abatidos uma resma de jovens esperançados na fuga de balsas (com o rasto de sangue ainda à vista), tal como a fila de jiniteras diplomadas de Varadero a piscarem os olhos tristes em troca de um prato de comida.

Fidel, ditador de longevidade olímpica, nunca permitiu a liberdade que é a possibilidade de estar contra lado a lado numa coabitação pacífica onde vigore a lei mais cimeira, a da igualdade. Torturou, amesquinhou, fuzilou, convidou ao exílio, todos aqueles em quem viu opositores, como o fizeram um Salazar, um Hitler, um Nero ou um Calígula.

A absolvição da História teve-a na forma da impunidade de ter gozado dos privilégios de qualquer tirano durante a maior parte da vida, partindo do reino da Terra em pó, como qualquer humano finito e falível.

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