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Tiago Salazar

O 'Moturista' acidental em Lisboa

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Diário

O amor nos tempos de COVID (capítulo extra)

O amor nos tempos de COVID (capítulo extra)

Abril 8, 2020 por tiagosalazar.com

O chef Lubomir foi dos poucos desabridos a incluir o sexo na base da sua dieta de quarentena. Vindo de um chef (sem papas na língua) é de estimar o papel dos ingredientes carnívoros na sobrevivência. Posto isto, e fugindo de imaginar como é o corte do chef e as suas maneiras à cama, recorro ao poema “É Importante Foder”, de M. Cesariny de Vasconcelos.

Ora:

É importante foder(ou não foder)?
É evidente que não, não é importante.
Fode quem fode e não fode quem não quer.
Com isso ninguém tem nada
Mas mesmo nada
A ver.

(N.A. Nada tendo a ver com os vossos actos, e sem me querer apóstolo do maldoror, penso no sofrimento de quem vive refém do amor digital, e volto ao poeta)

O que um tanto me tolhe é não poder confiar
Numa coisa que estica e depois encolhe,
Uma coisa que é mole e se põe a endurar e
A dilatar, a dilatar
Até não se poder nem deixar andar
Para depois se sumir
E dar vontade de rir e d’ir urinar.

(N.A. Aqui, expando-me para as sístoles e diástoles, penso que todo o mal se eclipsa, todo o valente se caga, o vírus é democrático)

Isso quiz dizer naquele verso louco que tenho ao pé:
“O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é”
Verso que, como sempre, terá ficado por perceber(por mim até).

Também aquela do “outrora-agora” e do “ah pode ser tu sendo eu”
Foi um bom trabalho
Para continuar tudo co’a cara de caralho
Que todos já tinham e vão continuar a ter
Antes, durante e depois de morrer.

(N.A. Em suma, o importante é não desanimar)

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O amor nos tempos de COVID

O amor nos tempos de COVID

Abril 8, 2020 por tiagosalazar.com

Haverá por estes dias muitos casais (de papel, filhos e de contas) confinados a uma realidade inesperada. Casais de faz de conta, presos a outras crises, com os seus respetivos amantes noutros confinamentos, a quem endereçam missivas desesperadas.

Enquanto isso, porque a fome de ternura e desejo é como uma enxurrada, abraçam no seu desespero o ente encornado. Alguns talvez redescubram os porquês de estarem juntos e, na dor, na angústia, na incógnita de se verem subitamente outra vez cara a cara, corpo a corpo, voltem a equacionar a demanda do tempo perdido e o perdão de todos os pecados não originais.

Talvez nasçam filhos para cobrir o morticínio e a demografia se equilibre, como a Natureza depois do terremoto, do tsunami, do fogo e da tempestade.

Onde houver amor, Amor sobrará.

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Yoga

Yoga

Novembro 22, 2017 por tiagosalazar.com

Para o professor Carlos Rui Ferreira do Centro Português de Yoga

Aguentar os cavalos

O primeiro asana não foi determinante. Julgo que teria uns 20 anos, e o corpo era então para mim um absoluto desconhecido. Conhecia‐lhe os pêlos, que odiava, a maçã‐de‐adão, que me dava comichão sempre que lhe tocava, e a memória (jónica) de um pé‐de‐atleta. Gostava dos meus braços firmes, das veias salientes e de fazer pinos, pontes e flic‐flaques. Talvez por isso tenha ganho simpatia imediata pelo primeiro Urdhva Dhanurasana que fiz, como se costuma dizer, com uma perna às costas. De resto, sentia‐me um calhau com olhos que sonhava ser bailarino ou voar nas passarelas.

O professor, um «mestre» suspeito, chamava‐se António e era um rapaz impertinente que vociferava: «o Yôga não é o Yoga!» Segundo ele, o som nasalado era o som verdadeiro, o caminho do samadhi. De Yoga ou Yôga eu pouco sabia, mas recordo‐me que ouvira de todos os entendidos ser este o «caminho da união». Esbocei o meu primeiro Tadasana, também chamado de Samasthiti, sem saber que de nada me valeriam os pinos e as pontes, se não entendesse o simbolismo da firmeza e da determinação que definem o Tada (a montanha).

Na verdade, estava deserto de me raspar da classe, pois a macaqueação de nos vestirem todos, os rapazes, de licra azul, e as raparigas de maillot rosa, deixara‐me em estado de choque. A minha personalidade não admitia fardas (parecíamos, de facto, soldadinhos de cu de chumbo) e de então para cá continuo a teimar nessa objecção.

Quando a classe terminou, com uma coreogra a apoteótica de Pranayamas (a que chamavam «inalações positivas») disse ao professor António que tinha gostado muito do cheiro a incenso e dos címbalos de fundo, mas que aquilo era areia a mais para a minha trotineta. Passaram sete anos até voltar a uma classe de Yoga, desta vez sem o empecilho do «ô».

Era então um feliz pugilista, de costas arqueadas para dentro, belos bíceps e pernas como longarinas, mas do corpo (dos corpos) continuava um desconhecedor. A minha companheira, que saíra das aulas de dança para um ashram (em pontas) insistia: «Tens de experimentar. Vai‐te fazer bem. Vai‐te domar o feitio.» Tinha ficado com o trauma das licras azuis e dos finais apoteóticos, mas acabei por experimentar.

Recordo que saí da classe a pensar coisas como: «Amanhã não me mexo; afinal isto não é uma ginástica exótica; de que me adiantam os músculos se não sei coordenar a respiração?; se calhar é com isto que vou aguentar os cavalos.»

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Biografias

Biografias

Novembro 21, 2017 por tiagosalazar.com

Todos somos biografias inventadas, mesmo as escritas pelo nosso próprio punho. Somos este e somos o outro.

Todos temos o bem e o mal encarnado, assim como temos a possibilidade de escolha. Todos temos que lidar com as nossas naturezas e fazer pela vida com aquilo que nos é dado viver, as nossa faculdades, não deixando nunca de estarmos à mercê do destino, por mais conscientes das nossas decisões e escolhas.

Tudo o que fazemos tem apenas uma razão de ser que é sermos. Sermos humanos.

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Miragem

Miragem

Novembro 13, 2017 por tiagosalazar.com

Naquele dia não tencionava ir àquele café.
Fui levantar o visto e disseram-me que só o podiam entregar às 12h.
Tinha o tempo contado para estudar.
Cruzei-me com uma senhora velhinha muito querida, perguntei-lhe onde havia uma papelaria para encadernar o meu trabalho; respondeu-me: acho que aqui não há, no entanto, vá ao café “Careca” e vai ver que vai gostar, vá… sente-se um pouco e divirta-se.
Agradeci a amabilidade e entre sorrisos e despedidas, despedi-me da velhinha tão bonita… e fui.
Estava longe de te encontrar e encontrei-te.

Oiço a tua voz onde quer que vá
Na serra
Nos candeeiros
Entre todas as linhas que eram tortas
Entranhada na terra com raízes de fogo
E de repente também tu és eu

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Filha

Filha

Novembro 10, 2017 por tiagosalazar.com

Tu és a rainha.
Tu és a Rainha.
Tu és o amor.
Tu és o Amor (onde nada é verbo condicional).
Apenas tu e eu,
apenas tu e eu, meu amor,
o escutamos.
Filha.
Filha feita do sangue da lava.
Filha feita da paixão (onde mais Sou).
Filha feita do Desejo (onde mais vivi).
Filha, a Desejada.
Através de todos os tempos serás Amor.
Amor livre, amor alegre.
Flor epífita.

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Amor

Amor

Novembro 9, 2017 por tiagosalazar.com

É estranho termos tão poucos laços com a natureza, com os insectos, com a rã saltitante e com o mocho que pia por entre os outeiros, chamando a sua companheira. Nunca demonstramos ter uma certa simpatia por todos os seres vivos da terra. Se pudéssemos estabelecer uma relação intensa com a Natureza, nunca mataríamos um animal para saciar o nosso apetite, nunca feriríamos nem dissecaríamos um macaco, um cão, uma cobaia para nosso proveito. Encontraríamos outras formas de cicatrizar as nossas feridas, curar os nossos corações. […]

O ser humano matou e continua a matar milhões de baleias e tudo o que obtemos desse massacre pode ser conseguido por outros meios. Mas, ao que parece, o Homem gosta de matar, gosta de matar o veado em fuga, a gazela maravilhosa e o elefante pujante. Adoramos matar-nos uns aos outros. Esta chacina humana nunca se deteve em toda a história da vida do Homem na Terra. Se conseguíssemos – e é imperativo fazê-lo – estabelecer uma relação profunda e duradoura com a Natureza, com as árvores, os arbustos, as flores, a erva e as nuvens velozes, nunca mais massacraríamos outro ser humano, por motivo algum.

Assassínio organizado é sinónimo de guerra.”

Jiddu Krishnamurti, Natureza e Meio Ambiente, Edições 70, 1997, p. 71.

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Apareçam no Festival Books & Memories

Apareçam no Festival Books & Memories

Novembro 6, 2017 por tiagosalazar.com

Sessão “Viagem Interior”

Escrever em tempo real uma série de textos sobre a acção do Neurofeedback dentro de um cubo de nome In Between the Box.

Os textos serão feitos a partir de palavras-chave como ira, ciúme, amor, amizade, desejo, morte.

Cada sessão terá a duração de 20 minutos, que é o tempo da bateria do capacete.

Os textos serão mostrados ao público à medida que estão a ser feitos, numa espécie de escrita automática e as emoções que ocorrem na mente são projectadas (e posteriormente comentadas pelo neurocientista).

O barómetro de cores explica o que está a acontecer.

Os textos nascerão de memórias e do que passa pela mente em tempo real.

Esta “Viagem Interior” será inspirada parcialmente neste texto do mestre J. Rentes de Carvalho

Despimo-nos quando escrevemos. Banal ou não, cada frase é um momento de Striptease, um apelo, uma cedência, um desejo, um grito, por vezes um pedido de esmola, um anseio de carinho.
Pelos jornais passo os olhos, há muito enojado do conteúdo rasca – “Mamas e Cuecas de Cristina Ferreira”, pais violadores, mortos no contramão, idosa assaltada – e no Facebook não entro, o tempo que me sobra dos livros gasto-o, fascinado, na leitura ou na visita de blogues. Demorando nos favoritos, lendo aqui e ali criquices e futilidades, lamentos, choros escondidos, dor funda, poesia sem jeito, para de súbito topar com boa prosa e verdadeira ciência, um poema que alegra, um desabafo que comove.
Quando os anos findam aparecem dessas listas a classificar o melhor disto, o número um daquilo, já no passado as vi de autores de blogues que mutuamente trocavam elogios e galhardetes. Mas no meu parecer é hora de que um desses académicos que se esfalfam nas análises de Saussure, Barthes, Derrida e Baudrillard, se deite a estudar a blogosfera portuguesa. Cuidando, todavia, em deixar o trigo e o joio. Nada de escolhas, prémios ou separações, pois é a amálgama do bom, do sofrível, do mau, do ridículo e do péssimo que faz o encanto desta destravada barafunda em que, voluntariamente ou por descuido, mostramos muito do que somos, do que nos diverte e aflige. De facto um Striptease.

Apareçam no dia 13, às 18h na Biblioteca Municipal de Alcobaça.

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Rondas da Noite

Rondas da Noite

Novembro 6, 2017 por tiagosalazar.com

Nos idos anos 90 a Kapital era um clube da moda. Entrar na fortaleza dos irmãos Rocha significava ter a caução do Olimpo. Os anónimos e sem cheta como eu tentavam a sorte, e se os porteiros amáveis estivessem para aí virados (diante de uma nota gorda), lá se tinha a lotaria da passadeira desimpedida.

A forma de barrar a entrada era patibular: pagar a taxa máxima (5000 escudos). Bastava dizer com um sorriso lacónico que a roupa não condizia com o perfil da casa para deixar à porta o candidato ao templo. Por exemplo, aparecer no portal dos Zeus com umas calças à boca de sino, uns sapatos de bico, um blazer de cor garrida, um papillon vistoso ou um penteado de cabeleireiro subversivo era assinar a sentença do degredo dos párias.

Um dia, por protestar contra as regras pífias da casa K, fui agarrado pelo cachaço como um gato mal comportado e largado no meio da Av. 24 de Julho com o dichote de que da próxima seria pior. Ou seja, uns sopapos à fuzileiro, e alcatrão e penas. Nunca percebi as políticas do bastão e da cenoura. Mas por causa das tosses e das agruras da vida de animal social, lá fui inscrever-me no boxe do Sporting, a única afinidade com a família K.

Um dia voltei a ser assíduo da Kapital por conta de uma amizade providencial, o porteiro Miguel Ângelo, que por conta de uma entrevista me fez persona grata. Durante um tempo, encarei as saídas nocturnas como um exercício de sociologia. Vi gente sem nada a apontar a não ser a cor da pele ou a roupa mal enjorcada (segundo os padrões de gosto da casa K) bater em retirada ou ser corrida a pontapé se lhes dava para reagir à sentença. No caso da semana, o 38º episódio de violência gratuita num dos 30 estabelecimentos dos senhores K, o mais insólito é ouvir um causídico de defesa dos ursos dizer que o problema dos seus clientes foi o dia ter corrido mal.

Como se a azia nocturna do profissional encartado para zelar pela segurança pudesse justificar um arraial de porrada a um frango de aviário rodeado de pintainhos aflitos cuja única ameaça partiu de uma suspeita infundada de estarem ali ao ataque de carteiras de turistas desprotegidos.

Photo credit: rot grad via Foter.com / CC BY-NC-ND

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Da Justiça (em Portugal)

Da Justiça (em Portugal)

Novembro 1, 2017 por tiagosalazar.com

Os senhores juízes do alto das suas tribunas ajuízam a partir de factos consumados. Julgam a partir de acções onde quadram verbos como: bater, violar, estuprar, furtar, burlar. O verbo corresponde ao sujeito. O facto corresponde à acção. O que levou ao facto é matéria subjectiva. Tanto é sujeito o que comete como o que julga e dita sentença (quase sempre atenuável por conta de tolerância com a patifaria).

O que é uma sentença exemplar? Mandar para a forca quem privou de vida na cegueira da sua conduta desmiolada? Há justificação para o crime, a sangue quente ou frio?

Tudo pode ser justificável diante da insanidade. O pirómano. O adúltero. O assassino. O violador. O pedófilo. O corrupto. Todos algures bons rapazes e boas raparigas, um dia desgraçados pela inconsciência do acto tresloucado, à mercê do martelo justiceiro a embater veemente, solene, soberano, na tabuínha do senhor juiz. Juiz e carrasco, uma parelha indissociável a quem se junta um terceiro elemento: o prevaricador.

E nós, aqui, indignados, importantes, impotentes, resignados, a julgarmos também, os julgamentos pacóvios e arcaicos do senhor tripeiro de batina.

Photo credit: ming1967 via Foter.com / CC BY

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Os fogos e a inquisição

Os fogos e a inquisição

Outubro 31, 2017 por tiagosalazar.com

Perante a morte (e é de mortes que se trata, de pessoas, animais e vegetais) o assunto porventura mais relevante não é o rolar de cabeças de ministros, autarcas, presidentes de junta e senhores feudais, nem decerto o escutar das nossas doutas cabeças facebookianas pensantes e indignadas. Ele será talvez: como evitar aquilo que quase sempre é um acto premeditado, de mão criminosa, e não um deflagrar irado da mãe natureza? Como aplicar sanções criminais se é quase sempre de que crime que se trata? Crime de pirómanos, crime de negligentes, crime de caciques atrás de negócio chorudo no rescaldo da bonança.

Um conceito solidário (pela música, a poesia, a missiva sensível ou sensata) é belo enquanto dele nasce um efeito de fraternidade à luz baça de um rasto de fumo de mortalhas. Diante do horror, o belo não é a palavra em falta. A palavra justa e necessária, impregnada de triste metáfora por honra de quem esgrime à mangueirada, a palavra certa é combate.

Contra quem fogos atiça e com fogo mata.

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Apresentação do livro O Moturista Acidental de Tiago Salazar

Apresentação do livro O Moturista Acidental de Tiago Salazar

Outubro 30, 2017 por tiagosalazar.com

Caríssimos, venho por este singelo meio convidar-vos a estarem presentes neste fabuloso acontecimento literário.

Estarei lado a lado e de frente a frente com malta do Norte, da melhor que o mundo tem.

Vinde. Depois há farra.

 

Local: Livraria Centésima Página (Braga)

Data: 3 de Novembro

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A menina que dava pulos gandes

A menina que dava pulos gandes

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Isto começa assim. Era uma Margarida cheia de pressa. A Margarida além de apressada era muito pespineta ó lá como se chamam às raparigas cheias de vontade de chegar ao tamanho dos grandes sem saberem que os grandes, às vezes, também querem chegar ao tamanho dos pequenos porque quando estão pequenos são mais felizes. A Margarida tinha uma mania que era andar sempre aos pulos, como também há muitos grandes que têm, e às vezes dão trambolhões de escadas e barrancos e ribanceiras e até de montanhas, porque nos pequenos, essa coisa das alturas é apenas o lugar de onde se tem a vista mais bonita.

(entretanto, do outro lado da casa…)

Será que a Margarida pode esperar mais um bocadinho? – perguntou o Martim. Margarida, espera! grita o Martim, de coelha mãe debaixo do braço e regador na mão. Em correria louca segue a flor mais jovem do meu quintal, e quase em simultâneo aterram ambos no canteiro dos amores-perfeitos!

Não sei se já perceberam, mas a Margarida podia ser uma flor (uma trepadeira ou uma sequóia ou um baobab). Podia, mas não lhe deu para aí. Ela tem grandes olhos castanhos (o caule) e na cabeça saltitam-lhe caracóis como limos verdes, porque além de andar aos pulos o dia todo, a Margarida gosta de dormir a sesta (sim, uma coelha também dorme), numa toca no quintal das traseiras da nossa casa que é a casa de um esquilo que gostava de ser aviador. A Margarida no fundo no fundo queria era ser coelha, enquanto o Martim ficava contente se já chegasse a carro de corrida, ou como lhe chamamos cá em casa, a carapau de corrida.

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A Vida

A Vida

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

“Ele há coisa mais superlativa? A sensação de estar vivo, a envelhecer saudável. O alive and kicking. O poder de ser(mos) homos artisticus em tudo o que fazemos. Ainda que ela seja frágil, complexa, contraditória, e breve, ou breve para tanto quanto se pode fazer com ela.

2. A paixão
Nada na vida, na minha pelo menos, é feito sem paixão. Pode ser um escrito, um abraço, uma corrida. Pode ser guiar um estrangeiro nas ruas da minha cidade. Pode ser responder a um inquérito. Tem que haver fogo. Fogo criador.

3. A casa
Seja a viajar e ter como casa de ocasião um quarto de hotel, seja a casa onde moram os meus amores (a família, os livros, os discos, os quadros), é lá que renasço. Ter uma vista como uma gávea é imperativo.

4.Livros
Nunca estive um dia sem um livro. Um livro a ler. A livro a escrever. Um livro como um gato a quem possa aconchegar.

5. Carros
O meu avô Gomes tinha um stand. Cresci entre carros, quando ainda se podiam distinguir ao detalhe as marcas e os modelos. Por exemplo, o Fiat 600, o Mini, o Austin. Lembro-me de andar no Lotus Elan do meu pai e experimentar a adrenalina de um Fangio. Tinha uma colecção infindável de carrinhos de brincar e uma das minhas brincadeiras favoritas era desenhar os meus próprios circuitos. Um dia, prometi ao meu botão esquerdo, terei um Aston Martin e/ou um Ferrari 330.

6. Viajar
Parece que há um gene responsável pelo instinto de partir. Esse habita-me desde os tempos de criança no bairro de Alvalade. Morar ao lado do aeroporto e ver os aviões a passar rente à janela do meu quarto deve ter aguçado o desassossego. Não pretendo encontrar a cura.

7. Yoga
O professor Carlos Rui do Centro Português de Yoga é o grande responsável por este amor tardio. Esticar o esqueleto todos os dias passou a ser uma questão de vida, na esperança de chegar a velho mais espadaúdo ou sem a marreca típica dos Salazares.

8. Charutos
O meu amigo Eduardo Miragaia, velho camarada do Jornalismo, iniciou-me neste prazer superlativo. É um ritual nocturno, sobretudo, ter um puro entredentes, e vê-lo dissipar-se num fumo lento, como tudo o que é importante, deve ser feito com o vagar de quem sobe.

9. Piano
O som do piano tocado de forma exímia (por um João Paulo Esteves da Silva, por exemplo, outra figura máxima na minha vida), é uma das forças vitais do meu equilíbrio. Glen Gould, Keith Jarret, são parte do meu ideal de Olimpo.

10. Sexo
Ficou para o fim, mas podia estar no princípio. Pode ser lido de viés, dito assim, mas como imaginar a Vida sem os prazeres de Eros (ou de Cápua)? Aprendi umas coisas a ler o Henry Miller, muito além da pornografia. Coisas da vida como ela é sem filtros. O sexo de que falo é o do sexo movido a amor, essa matéria de peso e maior enigma da humanidade em sobressalto.

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Vendas online

Vendas online

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Uma advertência: esta junta autónoma de tópicos apenas pretende deixar a terreiro um par de ideias anti-tésicas sobre o negócio dos livros e outros que tais.

Quem vende online (livros ou pentelhos ou livros-pentelhos) fá-lo, no caso dos livros, para contornar uma realidade muitas vezes usurária chamada negócio editorial.

Uma editora de peso terá o peso e (as medidas) para levar o objecto-livro mais além, e não é de somenos o trabalho (e o investimento) com um autor, correndo e pagando esta os riscos, e sem a certeza de que por melhor o autor e a obra não redunde num fiasco de vendas. Estamos no território da venda e da compra, e há-que saber vender e saber o que se está a comprar.

O autor que vende os seus objectos online (como o fazem grandes artistas, basta ver os músicos de jazz nacionais cujo trabalho de outro modo mal chegaria aos ouvintes, à falta de meios de divulgação) fá-lo porque lhe é lícito, e porque assim precisa, pois nem às costas da Imprensa lhe é garantido o êxito comercial. Podia dizer de outra maneira sem asneira: porque só assim lhe é garantido o suficiente para continuar a desenvolver o seu trabalho.

Só uma mentalidade pequeno burguesa achará menor, rasca, reles, o autor utilizar as plataformas ao seu dispor, seja o FB ou os bancos de jardim, para fazer o seu comércio livre. Nisto, do comércio, que a todos assiste, em maior ou menor grau de ambição e necessidade, não há como apodar de reles, rasca ou menor, o autor que se predispõe a vender o seu trabalho, simplesmente porque é a única coisa que tem para vender, donde, para se alimentar, e assim continuar o seu trabalho. Balzac antes de ser o personagem anafado e burguês e best-seller foi um anónimo escanzelado. Torga, o professor de temperamento difícil, editava e vendia os seus livros sem dar comissão ou avença a outrém.

O Editor, a Editora, não é uma entidade carniceira só porque sim. Acontece que se a prática instalada de comissionar anda entre os 7 e os 12% do valor total do livro (o PVP), o autor é quem menos ordena. Donde, é-lhe lícito seguir as regras do mercado livre e negociar melhores condições para si. Pode ainda acontecer, como é meu caso recente, ter um livro diferente, digamos assim, de edição limitada, em capa dura e ilustrado, e de conteúdos menos comerciais, digamos assim, e optar por chegar a vós, os meus leitores do mundo virtual, incitando à compra deste objecto singular. Compra quem quer, mas ao menos digne-se a ler para poder comentar.

Por falar nisso, vai um livro?

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O Trabalho Liberta

O Trabalho Liberta

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

O meu primeiro trabalho, à jorna, foi na vindima da Quinta da Murta, no Cadaval. Acordava às 4h30 e na alvorada juntava-me aos homens e mulheres, para um dia de tesourada e carrego. Tinha 13 anos.

O motivo era ganhar uns cobres para comprar uma Semente (uma prancha de surf), mas dei por mim a sentir o contentamento de ter o retorno justo por conta de um trabalho honesto. Era trabalho pesado, se entendermos como tal acordar noite cerrada, sair a monte entre desconhecidos a cheirar a cebola num tractor a tresandar a caca de rato e terebintina, ainda noite gelada, andar agachado a cortar esgalhas, estraçalhar os dedos sem de que de nada valessem umas luvas de coiro, e acabar o dia cheio de dores e mazelas, refastelado numa velha banheira de esmalte caserna.

De então para cá, nunca mais parei de fazer o que quer que fosse para ter a mesada (ou a semanada) que nunca tive. Fui desde caddie, a vendedor de bolas de golfe apanhadas nos matos e silvas, nadador salvador, explicador de inglês, estafeta, e, aos 18 anos, estreei-me no Jornalismo como aprendiz de ilustres figuras como o Eduardo Miragaia, a Maria Augusta Silva, o Ferreira Fernandes e o Eurico de Barros para nomear só alguns. Tive a sorte de conhecer muito cedo o valor das palavras brio e tarimba. Eram horas infindas a ler jornais e revistas (antes do mundo virtual), a escrever à mão e à máquina, a andar no batente atrás de histórias, por vezes com incidentes violentos, por conta de entrevistados desavindos, e gente pouco interessada em ser confrontada com a verdade. Nunca deixei o jornalismo como se abandona uma arte caduca, e hoje, 27 anos depois, sempre que há razões para contar uma história, é por este ofício que atalho.
Escrevo todos os dias, uma linha que seja, e por vezes, rasgo-a ou apago-a, por nada lhe sentir.

Acumulo há anos trabalhos para ganhar a vida, quase todos onde quadre a comunicação, seja o de guia, chófer, carregador de pianos ou o diabo a 7. Digo-o com orgulho de plebeu, sabendo como é injusto olhar para quem anda na estrada, a viajar e a escrever, sem ser a conduzir um TIR, achando ser esse ofício menor, sem lhe reconhecer seriedade, quando andar na rua, entre os homens, longe dos púlpitos dos inacessíveis, é o mais sério e fundo que um homem pode para saber como é duro para a maioria ganhar com honra a vida.

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Portugal

Portugal

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Devo ter esbarrado com a primeira ideia de Portugalidade na escola primária ao estudar os antigos povos da nossa terra. Conservo a teoria desta terra como um torrão apetecível (espécie de Éden revisitado) onde pontuaram desde os celtas, aos iberos, suevos, alanos, visigodos, fenícios, antes dos domínios romanos e árabes, todos à babugem de um poiso de veraneio.
Ao passear hoje um turista em Lisboa dou por mim a pensar no poema Invitation au Voyage, de Baudelaire, e de como a minha ideia de Portugalidade insiste em ser a de um lugar ao sol onde povos sucessivos campearam para se instalarem, mas no final sobrou um gueto feliz, oásis de turistas em sobressalto, um dos poucos lugares do mundo onde é possível uma mesma rua alojar um muçulmano, um judeu e um ateu sem a noite acabar num paiol de pancadaria.

Penso em rojões e sopa de pedra e caralhotas, discussões pífias de futebol, em poetas e versejadores, em mandriões e mânfios e tanas e badanas e sacanas e manhosos mas tudo malta convencida de que é porreira e de bom coração, penso em operetas e óperas bufas, penso em quezílias de como a minha é maior do que a tua, penso na inveja endémica do que é diferente e fora do baralho, penso em quem parte a loiça poder acabar todo partido, penso no Sporting entregue aos bichos, penso no Nuno Bragança e no Ernesto Sampaio que dizia ser esta uma terra de bimbos, mas a ocidente não conhecer outra melhor.

Viajar fez-me concluir que o português emigrado é um tipo orgulhoso do seu torrão deixado para trás onde sempre voltará, de peito feito à conquista da terra escolhida como canteiro adoptivo mas sem nunca perder de vista a pátria por mais anafada a conta bancária. Dei por mim, na qualidade de exilado, saudoso de um pão capaz, uma sopa da avó, uma diatribe de bola olho no olho na tasca do senhor Abílio, o mar ao sair da porta, a luz coada do Verão quando ainda é Inverno, o burburinho das ruas estreitas.

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© 2023 · Tiago Salazar · Por Kaksi Media

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