• Skip to primary navigation
  • Skip to main content

Tiago Salazar

O 'Moturista' acidental em Lisboa

  • Quem sou
  • Who am I
  • Livros
  • Contacto
You are here: Home / Archives for Diário

Diário

Fabíola

Fabíola

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Uma primeira leitura, é como uma primeira impressão de alguém: vem-nos à cabeça (aos neurónios) uma saraivada de memórias. Neste caso, as memórias mais fortes que me ocorreram desta barriga anafada de um generoso e atento Pai, têm que ver com rabanadas (ou fatias douradas) à moda do Minho, como as fazia a minha avó Vessadas na véspera de Natal. Pensei ainda na barriga do meu próprio pai, sempre muito preocupado com a sua dieta, uma barriga sem pneus, branca como a cal, pelada e encolhida para impressionar as miúdas.

Lê-se e sente-se por osmose. Ao ler este livro cheio de amor por um pai que presumo vivo, penso e sinto, para pena minha, como sou distante de uma figura paterna assim, e como me seria difícil escrever um livro onde coubesse de fio a pavio esta imensa ternura. Escrever para crianças é uma arte suprema. Escrever e passar emoções é um dom de poucos que habita a menina-mulher Fabíola. Tanto faz o registo, se é prosa, verso de rima quebrada ou estrofe alexandrina. Se é romance ou conto infantil cheio de cores garridas, voos picados, borboleteares inocentes e sem ponta de maldade ou pequena velhacaria.

Ao ler O Que Há na Barriga do meu Pai? estou certo de estarmos diante de uma escritora de mão rara e feliz e sem vislumbres de mágoa. Um livro infantil pode ter em si uma vítima de maus tratos como podem ser a rejeição, o abandono ou a ausência de quem nos deu vida, e ainda assim ser possível sublimar as poucas memórias felizes. Feliz o autor capaz de verter beleza a cada frase, sem nunca cair no vulgar, no lamechas, no ilegível. Fabíola brinca com as palavras e desfia uma meada de sugestões decerto afins de muitas meninas (ou meninos) bem criadas e bem amadas.

É livro para crianças ou adultos capazes de conservar a infância.

É livro para releituras nocturnas capazes de darem sonhos cor-de-rosa ou azuis marinho.

É livro de palavras e imagens numa dança animada como se estivéssemos na barriga de um grande cetáceo.

Grato pelo convite e pelo prazer da leitura.

Muitas felicidades e muitos anos de vida e de escrita.

Longa vida à Fabíola!

Filed Under: Diário Tagged With: Fabíola Lopes, O Que Há na Barriga do meu Pai?

BB, meu mestre

BB, meu mestre

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

A morte de Baptista-Bastos é um rombo nas falanges do Jornalismo, profissão onde pontuou como poucos, reconhecendo-lhe a escola preâmbulo da melhor literatura. Conheci-o aos 19 anos, na redacção do Diário de Notícias.

Veio dar-me um calduço quando soube pelo Óscar Mascarenhas ser neto do malogrado Vítor Garcia que conhecera no tempo da Voz, do Novidades e d’ O Século Ilustrado. Antes de chegarmos à fala, pude vê-lo atravessar o corredor de vidro onde assentavam praça os grandes colunistas.

Parecia um centauro de papillon. Elegante, espadaúdo, cortês e apressado, como um repórter que nunca desarma, a mesma imagem que lhe vira 50 anos antes o escritor brasileiro Fernando Sabino numa visita a Lisboa e deixara gravada numa terna crónica.

Anos mais tarde pedi-lhe que me apresentasse um livro, “A Casa do Mundo”, e dele recordo desde logo o texto redigido à mão, onde me elogiou (com exagero generoso) a mesma ternura brutamontes do seu amado Hemingway, mestre de ambos os ofícios. BB, sigla dourada como um Papa Hem, fazia de cada prosa uma tarefa de ourives, fosse para cascar a eito contra um canalha ou em louvor de um jovem por amadurecer em quem visse talento digno.

Dizia muitas vezes que a liberdade era muito difícil e os jornalistas de hoje estavam condenados às regras pulhas do capital. Tanas, badanas e sacanas vinham-lhe desaguar muito à pena, sempre justa e loquaz e impecável. É a memória que irei conservar e honrar. Não lhe pude dizer que o meu próximo livro, sobre a nossa amada Lisboa, lhe é dedicado. Farewell Companheiro!

Filed Under: Diário Tagged With: Baptista-Bastos

Auto retrato XXIII

Auto retrato XXIII

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Menino de rua nascido à 3 pancadas, adulto auto didacta salvo por uma biblioteca e uma avó, pai sentimental e consciente dos seus deveres e direitos, cioso de um lar, uma família, um lugar de paz e prosperidade. Este também sou eu.

Creio ser este também digno de ser muito amado e respeitado. Envelhecer bem é saber que aos 45 anos posso manter a juventude sem daí me vir ao mundo infantilidade. Felizmente saudável, felizmente são de espírito e resiliente entre tanto ressentimento, mágoa, revolta e desengano, tenho uma ideia da vida muito selectiva.

Na minha ideia de mundo bonito entra quem é do amor. Quem é da comunicação. Quem é a da sinceridade. Por mais que as palavras sejam uma forma de beleza suprema, nada substitui a riqueza do perdão genuíno que pode estar num abraço pacífico, num beijo apaixonado, no fazer amor sem reservas. Digo-te o que sinto: não me sinto à altura do homem (do pai, do companheiro) que sonhaste-pensaste, embora me sinta um Homem em todos os sentidos da palavra e felizmente seja habitado pela auto-estima, de outro modo já teria sucumbido.

Não se deve confundir isto com soberba.

É apenas o reflexo de ter crescido a levar porrada e das duas uma: ou era espezinhado, ou reagia com sentido de justiça. Sinto que tudo é possível de renascer, porque até do holocausto renascem flores. Olha-se para o que foi como uma aprendizagem e avança-se com o perdão e a aceitação presentes. Olha-se o outro com olhos de amor.

Filed Under: Diário Tagged With: 45

Manifesto sexual

Manifesto sexual

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Muito francamente o sexo (do bom, do muito bom, do espectacular, do superlativo absoluto sintético e analítico) comanda a minha vida. Não faço nem farei nada para o mudar na minha constelação de defeitos (pecados capitais) porque o sexo, quando é mútuo e muito bom, é a minha terapia, a minha alegria, a minha força vital.

As pessoas vivem a esconder-se, a fingir-se, a pretenderem ser o que nunca são, pouco sinceras com os seus instintos, os seus desejos primordiais, e neles o sexo reina e mina a possibilidade da criação perfeita.

Abdicar desta parte essencial do ser, do meu ser, é meio caminho andado para a solidão, a tristeza, a neurose. Antes a obsessão compulsiva de dar às ancas e ao cu do que a abstinência.

Não havendo drogas, álcool, estupefacientes e outras opções no meu cardápio de prazeres, resta o sexo como motor da minha existência frugal e espiritual, pois o sexo, como o entendo, é acima de tudo metafísica. É combustão, é fogo interior, é labareda, é ígneo, é ignição, é verdade, é vida. Sexo nascido da esperança do acto perfeito onde caralho e cona, vulva e falo, picha e rata, pila e pipi, se façam unos com a dança dos rabos da alma. O sexo é a arte do tudo à vida. Fornicar é preciso.

Filed Under: Diário Tagged With: Sexo

45 (1972-2017)

45 (1972-2017)

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Segundo o calendário gregoriano, quando forem as 4h20 da matina perfazerei 45 anos de idade biológica (grato aos meus pais por terem ido pernoitar e dar cambalhotas à praia da Ursa e me terem abençoado com os genes do vigor atlântico).

Em teoria, vou a meio de uma vida. Se houver outras, e se outras já vivi, esta é a que me cabe viver por ora. E em boa hora a confesso ter vivido so far ou como soe dizer-se, até à data.

Há dias em que o cansaço próprio da meia-idade me toma conta dos carraços, mas ainda conservo, lá onde a vista não alcança, a pujança elefantina dos vikings minhotos e a teimosia dos mouros ribatejanos. Sou um misto de homem de Neanderthal com um tal de Johnny Depp (menos acabado). Isto, a par de uma estatura mediana de um europeu do Sul, reveste a minha auto-estima de uma aura nórdica.

Quando já nada mais convém à minha infinita tristeza de estar mais velho, digo ao meu botão esquerdo que envelhecer é do caraças (com um sorriso malandro, como o da fotografia anexada). Para todos os efeitos, ainda levanto uma carroça, avio uma grade de minis e no braço de ferro com menores enfezados raramente perco. Sou um poeta de Pondichéry que nunca escreveu um poema de jeito e por isso faz rimas traquinas como esta, escrita aos 35, revista e aumentada.

Há quem espere o Salazar
Há quem espere o Sebastião
Eu cá sou espero bazar
Com um surto de tesão

Nada mais quero desta vida
Amor com tudo, bacalhau e paixão
Baguito, dentes brancos e uma ermida
Para agasalhar os males da tensão

Filed Under: Diário Tagged With: Aniversário

Soares

Soares

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Mário Soares, a quem já chamaram de todas as coisas no jargão dos animais políticos, incluindo menchevique (O Kerensky lusitano), foi-se desta para melhor, pois o recanto na sebenta da História já o tinha desde 1974, aquando da sua ascese na Fonte Luminosa.

Nos primórdios do Jornalismo, aos tempos do Semanário do início dos anos 90, foi-me incumbida a tarefa de cobrir indeferido a viagem à Índia, uma inovação do chamado jornalismo very light. Dia a dia, baseado em relatos de telexes e nas reportagens de aqui e de acolá, lá fui escrevendo sobre um homem de quem ouvira o pior e o melhor, como é próprio dos cimeiros e da ralé.

Os reles (dito pelos seus detractores), incluindo o meu tio comunista, chamavam-lhe traidor, oportunista, usurpador, incluindo de obras de arte ofertadas enquanto chefe de Estado. A malta dos abanicos deu-lhe o cognome de Fixe, como quem alcunha um rei. Rei, soba, sultão, forma outros tantos títulos colocados no perfil do bochechas, inspirador de tantos ódios como ternuras.

Recordo agora a rábula das viagens de Soares a quem deram ainda o nome de Willy Fog, Espião da CIA, O Grande Democrata e de Gordo das 7 Partidas. Na Índia, Soares, homem bonacheirão e desabrido, alçou das suas anafadas pernas vestidas de feminino sari (de linga coberto) e subiu ao dorso de um elefante, de onde acenou como um marajá a uma plateia de súbditos integrados na comitiva ladeados por uma legião de flamingos.

Tratei de glosar aquilo que não vi in loco com uma prosa fresca e ligeira, apelando à beleza airosa dos políticos de outrora, como um Gama ou um Albuquerque, trajados a rigor, de sedas e baldaquins. Soares, o Fixe, fosse no alto de um paquiderme ou na couraça de uma tartaruga, tinha a proverbial capacidade de nunca desmobilizar o seu sorriso esfíngico e sempre a manter a máscara cabendo aos outros decifrarem a sua charada.

Filed Under: Diário Tagged With: Mário Soares

O Amor conjugal III

O Amor conjugal III

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

A vida, as pessoas, tudo muda. Tudo se extingue, em última instância.

Pouco ou nada sabemos, e escrever, por exemplo, pode ser apenas uma forma mais ou menos tosca de dar corpo ao pensamento-sentimento. Sinto que a fé e a esperança tremeluzem. Sinto-te triste, desiludida e talvez deprimida.

Cantar e saíres devem ser das poucas coisas onde ainda que mascarada deverás cessar os pensamentos da embrulhada onde estás metida. É como eu com a rua, o trabalho, uma vulgar caminhada. O segredo sem enigma é que estes ínfimos escapes, um passeio, o ver o mar, a gratidão de se viver num lugar assim como Lisboa, rente ao Tejo, e ainda poder ter a sorte de ter os filhos num colégio e aspirar a uma casa bonita, podem valer tudo, quando nesse tudo já tantas vezes se sente terem sido gastas todas as palavras.

Quando penso em ir falar como uma pessoa como a Dra. Eva, que nos conhece a todos, penso em ter soluções que me escapam. Somos diferentes no exterior, no revestimento, mas na essência somos apenas dois seres humanos magoados, sofridos, medrosos do desconhecido, do porvir. Posso tentar aqui dizer-te que para mim o caminho é este: vender tudo o que está em Almeirim, tirando o que te traga boas memórias, acabar com a pena, reconstituir factualmente a história que levou a esta dureza, dar caça ao Melo e Cª, entregando a quem sabe, e viver com um plano e ciente dos limites. No fundo, é de um problema de confiança que falamos, e não a havendo plena, não pode haver entrega afim.

Vale para os dois. Zangados, magoados, traídos, são sentimentos que decerto experimentámos e experimentamos. E nessas alturas, o mais certo é pormos tudo em causa. Queres verdadeiramente que eu saia da tua vida amorosa? Não creio. Queres paz. Queres estar bem. Queres alegria. Queres sair da melancolia que corrói.

Isso pode fazer-se em conjunto no lugar de cada um procurar a sua solução. Não sou terapeuta de almas, não sou pregador impoluto e não tenho a varinha mágica, mas já vivi o suficiente para estar certo de que Amar, amar bem, amar bonito, amar maduro, é aceitar o outro sem reservas, ainda que nesse outro habitem os paradoxos, os obscuros e a incerteza, próprios da falibilidade, da fragilidade e da fraqueza a que todos, sem excepção, estamos sujeitos.

Não é por amor à família que te escrevo. É por amor a ti e ao ser humano que vejo no fundo dos teus olhos cansados e tristes onde quero voltar a ver refulgir o brilho de uma menina.

Filed Under: Diário Tagged With: Amor

O Amor conjugal

O Amor conjugal

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

A grandeza não está nos pergaminhos, nos actos assumidos, na assunção da vaidade.

Os grandes, os eleitos (por voto chamemos-lhe divino), os escolhidos, os iniciados, os Cristos, os Budas, não se auto elegem, auto promovem, auto brindam e auto galvanizam, como pode ser a escrita ou qualquer arte publicada.

Ao virmos aqui perorar sobre o tema A a Z, ao validarmos com a expectativa da aprovação dos amigos (e sensíveis ao apodo ou ao apito) ou ao acharmos a sapiência do texto revisto uma cortesia da inteligência podemos não estar a passar mais do que uma ideia de charlatanismo.

Será a pureza apenas possível no insulto avacalhado ou na mensagem imediata do sentimento porventura narcísico? Ao beber, acontece o inexplicável (agora, por exemplo, há meio jarro de Raposeira a borbulhar neste escrito como no sangue e nos queixumes serôdios do fígado). Acredito na escrita automática tanto quanto ela me dá de inocente e aparvalhada.

Ao mesmo tempo, se toda a criação humana e para-humana fosse resultado de impulsos estaríamos mais depressa em construção ou destruídos?

Sócrates bebeu voluntariamente a cicuta como foi sabendo do preço que todos cometemos adultérios e crimes. Ainda que o amor não acabe, doído pela gravidade da confiança sofrida, nunca mais será como antes, como no tempo de todas as coisas possíveis, podendo no entanto e por paradoxo ser muito mais Amor, muito mais próximo do divino onde apenas cabe a compaixão.

Filed Under: Diário Tagged With: Amor

Fidel a si próprio

Fidel a si próprio

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Finou-se Fidel, El Comandante, o barbudo mais célebre da segunda metade do século XX, guerrilheiro, causídico e putativo carniceiro, e o mundo divide-se, incluindo a Lusitânia onde pululam os detractores e simpatizantes sem vislumbre de neutrais. A simpatia por revolucionários tenho-a mais vincada por um benigno Krishnamurti ou assim.

Entre os diabos promíscuos, ávidos e de fatiotas endomingadas de Fulgêncio Baptista e Lucky Luciano e os virtuosos depositores do regime fascista, salvam-se, por morte prematura, El Che ou Camilo Cienfuegos, ambos postos ao fresco pelo tirano Fidel.

Fidel nunca passou disso, de um tirano obtuso, apostado em fazer da sua profana ilha um modelo de estóicas virtudes à custa da ordem estabelecida pelo seu diktat. Vi com os meus próprios olhos a ilha virtuosa entregue a outro tipo de capos, tão ou mais pérfidos na defesa da sua obra de sanha como os depostos acólitos da América gananciosa e prostituta.

Não me sairá nunca da cabeça o passeio a céu aberto com um velho engenheiro, arrumador de cadeiras no balneário do Malecón, a mostrar-me comovido onde dias antes tinham sido abatidos uma resma de jovens esperançados na fuga de balsas (com o rasto de sangue ainda à vista), tal como a fila de jiniteras diplomadas de Varadero a piscarem os olhos tristes em troca de um prato de comida.

Fidel, ditador de longevidade olímpica, nunca permitiu a liberdade que é a possibilidade de estar contra lado a lado numa coabitação pacífica onde vigore a lei mais cimeira, a da igualdade. Torturou, amesquinhou, fuzilou, convidou ao exílio, todos aqueles em quem viu opositores, como o fizeram um Salazar, um Hitler, um Nero ou um Calígula.

A absolvição da História teve-a na forma da impunidade de ter gozado dos privilégios de qualquer tirano durante a maior parte da vida, partindo do reino da Terra em pó, como qualquer humano finito e falível.

Filed Under: Diário Tagged With: Cuba, Fidel Castro

Trump e o Fim da História

Trump e o Fim da História

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

A eleição de Donald Trump tem e terá muito que se lhe diga, mas deve ser por ora aplaudida como o triunfo da ciência política (e dos porcos). O conde Alexis Tocqueville publicou “Da Democracia na América” (em francês, De la Démocratie en Amérique) em 1835, uma panorâmica dos Estados Unidos dos anos 30 do século XIX, e neste texto visionário deixou escrito o modelo que leva à possibilidade da eleição de tipos como Trump num sistema político único no mundo com as suas virtudes e defeitos.

Nessa viagem de nove meses baseada no pressuposto de estudar o sistema prisional, o conde fascinou-se com o sentido de dedicação das pessoas comuns ao processo político. Andrew Jackson era o presidente e os partidos políticos estavam num processo de mutação, deixando de ser pequenas organizações controladas por elites locais e comissões eleitorais para se tornarem corpos massivos, capazes de eleger funcionários para os níveis local, regional e nacional e criando o esteio democrático para a eleição de génios ou imbecis na mesma medida.

A lacuna do livro de Tocqueville está apenas na ausência de um estudo sobre a pobreza nas cidades e a escravatura, mas deixou pérolas de entendimento para não nos espantarmos hoje com a eleição de deuses encarnados ou trogloditas de Neandertal capazes de num curto espaço de tempo tudo fazerem para devolver o mundo à Idade da Pedra. Em última instância, o povo é quem mais ordena e lá tal como cá, há espaço na mesma sebenta para Salazar, Eanes, Sá Carneiro, Sócrates ou ou Passos Coelho, como no solo americano nos impressionamos com o tumulto e o prazer do povo em tomar parte do governo e discutir as suas medidas, levando as mãos à cabeça (ou ao coração) diante dos perigos de ser governado por um fundamentalista acéfalo.

Alexis De Tocqueville e Gustave Beaumont, ambos aristocratas franceses, foram enviados pelo governo francês em 1831 para estudar o sistema prisional americano. Chegaram a Nova Iorque em Maio desse ano e passaram nove meses em viagem pelos Estados Unidos, tomando notas não só acerca das prisões, mas sobre todos os aspectos da sociedade norte americana, incluindo a sua economia e o seu sistema político, único no mundo.

Após o retorno à França, em fevereiro de 1832, os dois autores enviaram os seus relatórios penais ao governo. Beaumont escreveria ainda um romance sobre relações raciais nos Estados Unidos.

Filed Under: Diário

Festivais Literários

Festivais Literários

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Uma senhora jornalista escreveu há dias num meio de comunicação social a propósito de Festivais Literários. Fiquei honrado e pasmado com o facto de o meu nome aparecer como um escritor assíduo dos ditos, lado a lado com ilustres e prezados e premiados escritores como João Tordo ou Afonso Cruz, isto quando tal honraria apenas reflecte o facto (e não o factor) de ter trabalho para mostrar-falar-partilhar.

O artigo vale o que vale, tal como os motivos dos artigos valem o que valem os títulos onde escrevem. O mais importante aqui, digo eu como participante regular é esclarecer o seguinte: os Festivais literários, pese o facto de serem um negócio melhor ou pior para quem os dinamiza, sejam os curadores, os mentores, os patronos ou os agentes diligentes, são ainda uma das maneiras mais avisadas de levar ao conhecimento público quem faz da escrita um dos seus ofícios (ofício exclusivo farão muito poucos).

O artigo sugere uma certa promiscuidade, digamos assim, uma espécie de negociata tácita que leva a fazer dos festivais um clube dos amigos do bolinha, onde se juntam sempre os mesmos, ficando de fora outros, pelo simples facto de não fazerem parte da companhia, dos agenciados. Diria, com o chamado saber de experiências feito, que muitas das coisas da vida se fazem dessa condição de ser conhecido de alguém, ou parte do sistema, tal como escrever num título, ser de um clube desportivo ou ser convidado para as Academias.

Seria mais interessante falar do facto de o oportunismo festivaleiro ser uma das formas de levar os autores não a passearem e comerem e beberem, mas a darem um pouco de si a quem os lê e procura, que é para isso que também serve a escrita na sua infinita inutilidade.

«O papel da arte é esse; transformar o que continuamente nos acontece, transformar tudo isso em símbolos, em música, em algo que possa perdurar na memória dos homens…»; Jorge Luis Borges; 1899-1986

Filed Under: Diário Tagged With: Festivais Literários

Mestre Paco

Mestre Paco

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Paco de Lucía faz parte das minhas figuras paternas. Lembro-me da minha mãe, no seu passado de mestra de cerimónias, me levar à boîte Charlie Brown para conhecer um amigo.

O amigo era Paco de Lucía. Imberbe nos meus anos de pré-adolescente, e infanto-juvenil na idade e nos conhecimentos musicais, apenas retive a simpatia risonha do cigano, que me pôs na sua perna a trautear um fandango e engraçou com a minha cabeleira queimada pelo sol e de caracóis como labaredas.

Anos mais tarde, vi uma fotografia do cigano a enlaçar a minha mãe pela cintura como se abraçasse a sua guitarra na véspera de um adagio (ou de um alegro vivace).

Ciganos vão bem com a minha pele e deles nunca me afasto, nem os receio mais do que aos políticos na arte do gamanço. O cigano Paco foi-se num rompante cardíaco numa praia de Cancun. Morreu como viveu e como morrem e vivem os passionais: partindo depressa como quem parte depois de deixar um rasto cavado na galáxia dos mortais.

Filed Under: Diário Tagged With: Paco de Lucía

Bukovsky

Bukovsky

Outubro 23, 2017 por tiagosalazar.com

Charles Bukowski escreveu sempre sobre o que viveu: mulheres da noite e noites de whisky, apostas de cavalos e empregos de merda.

Tudo fugaz, nada sério; tudo sério.

Do seu alter-ego Henry Chinaski escreveu que foi o homem que nunca teve o emprego que quis e nunca manteve o emprego que tinha.

Aos 49 anos, depois de aceitarem um dos seus contos, passou a escrever a tempo inteiro. Ele mesmo disse que nessa altura tinha apenas duas opções: continuar o seu emprego nos Correios e endoidecer ou assumir-se como escritor e passar fome.

Escolheu passar fome. Morreu aos 74 anos. Na sua campa está escrito ‘Don’t try’.

Filed Under: Diário Tagged With: Charles Bukowski

Os escritores

Os escritores

Outubro 2, 2017 por tiagosalazar.com

O escritor (a) nos dias de hoje, além de escrever os seus livros, tem muito mais a fazer!

Tem de estar presente nas sessões de autógrafos um pouco por todo o país, deve comparecer nos acontecimentos literários para os quais é convidado, tem de dar entrevistas nos jornais, revistas, rádios, televisão, tem de ‘alimentar’ as suas páginas ou contributos nas redes sociais, tem de fazer sessões em escolas, bibliotecas, universidades no país e no estrangeiro.

E é assim em todo o lado do planeta onde há escritores e seus livros. Antigamente tudo isto se fazia, na mesma, mas muito mais discretamente.

Todos sabemos das tertúlias nos cafés no século XIX, todos sabemos dos salões literários, todos sabemos das páginas dos jornais nas quais quase todos os escritores colaboravam. E saíam à noite e saíam de dia e espalhavam o seu conhecimento, a maior parte das vezes apenas para os interessados e “habitués”.

Que não se pense que esta roda viva é coisa moderna e dos últimos tempos. Não! A diferença é que hoje há muito mais iniciativas e hoje tudo se sabe. E ainda bem!

Ainda bem!

Filed Under: Diário Tagged With: escritores

Portugal (um trajecto)

Portugal (um trajecto)

Agosto 29, 2017 por tiagosalazar.com

Devo ter esbarrado com a primeira ideia de Portugalidade na escola primária ao estudar os antigos povos da nossa terra. Conservo a teoria desta terra como um torrão apetecível (espécie de Éden revisitado) onde pontuaram desde os celtas, aos iberos, suevos, alanos, visigodos, fenícios, antes dos domínios romanos e árabes, todos à babugem de um poiso de veraneio.

Ao passear hoje um turista em Lisboa dou por mim a pensar no poema Invitation au Voyage, de Baudelaire, e de como a minha ideia de Portugalidade insiste em ser a de um lugar ao sol onde povos sucessivos campearam para se instalarem, mas no final sobrou um gueto feliz, oásis de turistas em sobressalto, um dos poucos lugares do mundo onde é possível uma mesma rua alojar um muçulmano, um judeu e um ateu sem a noite acabar num paiol de pancadaria.

Penso em rojões e sopa de pedra e caralhotas, discussões pífias de futebol, em poetas e versejadores, em mandriões e mânfios e tanas e badanas e sacanas e manhosos mas tudo malta convencida de que é porreira e de bom coração, penso em operetas e óperas bufas, penso em quezílias de como a minha é maior do que a tua, penso na inveja endémica do que é diferente e fora do baralho, penso em quem parte a loiça poder acabar todo partido, penso no Sporting entregue aos bichos, penso no Nuno Bragança e no Ernesto Sampaio que dizia ser esta uma terra de bimbos, mas a ocidente não conhecer outra melhor.

Viajar fez-me concluir que o português emigrado é um tipo orgulhoso do seu torrão deixado para trás onde sempre voltará, de peito feito à conquista da terra escolhida como canteiro adoptivo mas sem nunca perder de vista a pátria por mais anafada a conta bancária.

Dei por mim, na qualidade de exilado, saudoso de um pão capaz, uma sopa da avó, uma diatribe de bola olho no olho na tasca do senhor Abílio, o mar ao sair da porta, a luz coada do Verão quando ainda é Inverno, o burburinho das ruas estreitas.

Filed Under: Diário Tagged With: lisboa, portugal, portugalidade

O triunfo do porco

O triunfo do porco

Agosto 29, 2017 por tiagosalazar.com

O guarda Paulo Seleiro podia ser parte do discurso do filho da puta. O guarda Seleiro é um cavaleiro apeado sem a sela de Bolívar, oco do brio de Martim Moniz, uma das praças onde ataca vestido da função zelota de disciplinador.

O guarda Seleiro, como todos, como tudo, trabalha e cumpre serviço. Cumpre objectivos ditados pelo chefe, o cacique, o patrão. O guarda Seleiro é um funcionário diligente no reino da estupidez e da prepotência acéfala.

O guarda Seleiro presta mau serviço à cidade, ao país e aos seus, quando exibe o crachá canalha e pune o indefeso, e enxota o estrangeiro que passa, mandando-o para a sua terra.

O guarda Seleiro é um cabotino armado aos cucos. A história do guarda Seleiro não conta para a História, a não ser a da infâmia e da ignomínia.

Filed Under: Diário Tagged With: guarda

Gamanço

Gamanço

Agosto 29, 2017 por tiagosalazar.com

Na perspectiva de um carteirista roubar é uma actividade virtuosa. Hoje mesmo pude sentir o efeito de ser aliviado sem pestanejar.

Na minha perspectiva ser gamado à má fila leva-me ao impropério: porracaralhofodasse.

Filed Under: Diário

« Previous Page

© 2023 · Tiago Salazar · Por Kaksi Media

  • Política de Privacidade
  • Termos & Condições
Este website usa cookies para melhorar a experiência do utilizador. Quando fechar esta mensagem confirma que concorda com o seu uso.Aceitar Saber mais
Política de Privacidade

Privacy Overview

This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary
Sempre activado
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. This category only includes cookies that ensures basic functionalities and security features of the website. These cookies do not store any personal information.
Non-necessary
Any cookies that may not be particularly necessary for the website to function and is used specifically to collect user personal data via analytics, ads, other embedded contents are termed as non-necessary cookies. It is mandatory to procure user consent prior to running these cookies on your website.
GUARDAR E ACEITAR