Uma primeira leitura, é como uma primeira impressão de alguém: vem-nos à cabeça (aos neurónios) uma saraivada de memórias. Neste caso, as memórias mais fortes que me ocorreram desta barriga anafada de um generoso e atento Pai, têm que ver com rabanadas (ou fatias douradas) à moda do Minho, como as fazia a minha avó Vessadas na véspera de Natal. Pensei ainda na barriga do meu próprio pai, sempre muito preocupado com a sua dieta, uma barriga sem pneus, branca como a cal, pelada e encolhida para impressionar as miúdas.
Lê-se e sente-se por osmose. Ao ler este livro cheio de amor por um pai que presumo vivo, penso e sinto, para pena minha, como sou distante de uma figura paterna assim, e como me seria difícil escrever um livro onde coubesse de fio a pavio esta imensa ternura. Escrever para crianças é uma arte suprema. Escrever e passar emoções é um dom de poucos que habita a menina-mulher Fabíola. Tanto faz o registo, se é prosa, verso de rima quebrada ou estrofe alexandrina. Se é romance ou conto infantil cheio de cores garridas, voos picados, borboleteares inocentes e sem ponta de maldade ou pequena velhacaria.
Ao ler O Que Há na Barriga do meu Pai? estou certo de estarmos diante de uma escritora de mão rara e feliz e sem vislumbres de mágoa. Um livro infantil pode ter em si uma vítima de maus tratos como podem ser a rejeição, o abandono ou a ausência de quem nos deu vida, e ainda assim ser possível sublimar as poucas memórias felizes. Feliz o autor capaz de verter beleza a cada frase, sem nunca cair no vulgar, no lamechas, no ilegível. Fabíola brinca com as palavras e desfia uma meada de sugestões decerto afins de muitas meninas (ou meninos) bem criadas e bem amadas.
É livro para crianças ou adultos capazes de conservar a infância.
É livro para releituras nocturnas capazes de darem sonhos cor-de-rosa ou azuis marinho.
É livro de palavras e imagens numa dança animada como se estivéssemos na barriga de um grande cetáceo.
Grato pelo convite e pelo prazer da leitura.
Muitas felicidades e muitos anos de vida e de escrita.
Longa vida à Fabíola!