O meu primeiro trabalho, à jorna, foi na vindima da Quinta da Murta, no Cadaval. Acordava às 4h30 e na alvorada juntava-me aos homens e mulheres, para um dia de tesourada e carrego. Tinha 13 anos.
O motivo era ganhar uns cobres para comprar uma Semente (uma prancha de surf), mas dei por mim a sentir o contentamento de ter o retorno justo por conta de um trabalho honesto. Era trabalho pesado, se entendermos como tal acordar noite cerrada, sair a monte entre desconhecidos a cheirar a cebola num tractor a tresandar a caca de rato e terebintina, ainda noite gelada, andar agachado a cortar esgalhas, estraçalhar os dedos sem de que de nada valessem umas luvas de coiro, e acabar o dia cheio de dores e mazelas, refastelado numa velha banheira de esmalte caserna.
De então para cá, nunca mais parei de fazer o que quer que fosse para ter a mesada (ou a semanada) que nunca tive. Fui desde caddie, a vendedor de bolas de golfe apanhadas nos matos e silvas, nadador salvador, explicador de inglês, estafeta, e, aos 18 anos, estreei-me no Jornalismo como aprendiz de ilustres figuras como o Eduardo Miragaia, a Maria Augusta Silva, o Ferreira Fernandes e o Eurico de Barros para nomear só alguns. Tive a sorte de conhecer muito cedo o valor das palavras brio e tarimba. Eram horas infindas a ler jornais e revistas (antes do mundo virtual), a escrever à mão e à máquina, a andar no batente atrás de histórias, por vezes com incidentes violentos, por conta de entrevistados desavindos, e gente pouco interessada em ser confrontada com a verdade. Nunca deixei o jornalismo como se abandona uma arte caduca, e hoje, 27 anos depois, sempre que há razões para contar uma história, é por este ofício que atalho.
Escrevo todos os dias, uma linha que seja, e por vezes, rasgo-a ou apago-a, por nada lhe sentir.
Acumulo há anos trabalhos para ganhar a vida, quase todos onde quadre a comunicação, seja o de guia, chófer, carregador de pianos ou o diabo a 7. Digo-o com orgulho de plebeu, sabendo como é injusto olhar para quem anda na estrada, a viajar e a escrever, sem ser a conduzir um TIR, achando ser esse ofício menor, sem lhe reconhecer seriedade, quando andar na rua, entre os homens, longe dos púlpitos dos inacessíveis, é o mais sério e fundo que um homem pode para saber como é duro para a maioria ganhar com honra a vida.