Devo ter esbarrado com a primeira ideia de Portugalidade na escola primária ao estudar os antigos povos da nossa terra. Conservo a teoria desta terra como um torrão apetecível (espécie de Éden revisitado) onde pontuaram desde os celtas, aos iberos, suevos, alanos, visigodos, fenícios, antes dos domínios romanos e árabes, todos à babugem de um poiso de veraneio.
Ao passear hoje um turista em Lisboa dou por mim a pensar no poema Invitation au Voyage, de Baudelaire, e de como a minha ideia de Portugalidade insiste em ser a de um lugar ao sol onde povos sucessivos campearam para se instalarem, mas no final sobrou um gueto feliz, oásis de turistas em sobressalto, um dos poucos lugares do mundo onde é possível uma mesma rua alojar um muçulmano, um judeu e um ateu sem a noite acabar num paiol de pancadaria.
Penso em rojões e sopa de pedra e caralhotas, discussões pífias de futebol, em poetas e versejadores, em mandriões e mânfios e tanas e badanas e sacanas e manhosos mas tudo malta convencida de que é porreira e de bom coração, penso em operetas e óperas bufas, penso em quezílias de como a minha é maior do que a tua, penso na inveja endémica do que é diferente e fora do baralho, penso em quem parte a loiça poder acabar todo partido, penso no Sporting entregue aos bichos, penso no Nuno Bragança e no Ernesto Sampaio que dizia ser esta uma terra de bimbos, mas a ocidente não conhecer outra melhor.
Viajar fez-me concluir que o português emigrado é um tipo orgulhoso do seu torrão deixado para trás onde sempre voltará, de peito feito à conquista da terra escolhida como canteiro adoptivo mas sem nunca perder de vista a pátria por mais anafada a conta bancária.
Dei por mim, na qualidade de exilado, saudoso de um pão capaz, uma sopa da avó, uma diatribe de bola olho no olho na tasca do senhor Abílio, o mar ao sair da porta, a luz coada do Verão quando ainda é Inverno, o burburinho das ruas estreitas.