Nos idos anos 90 a Kapital era um clube da moda. Entrar na fortaleza dos irmãos Rocha significava ter a caução do Olimpo. Os anónimos e sem cheta como eu tentavam a sorte, e se os porteiros amáveis estivessem para aí virados (diante de uma nota gorda), lá se tinha a lotaria da passadeira desimpedida.
A forma de barrar a entrada era patibular: pagar a taxa máxima (5000 escudos). Bastava dizer com um sorriso lacónico que a roupa não condizia com o perfil da casa para deixar à porta o candidato ao templo. Por exemplo, aparecer no portal dos Zeus com umas calças à boca de sino, uns sapatos de bico, um blazer de cor garrida, um papillon vistoso ou um penteado de cabeleireiro subversivo era assinar a sentença do degredo dos párias.
Um dia, por protestar contra as regras pífias da casa K, fui agarrado pelo cachaço como um gato mal comportado e largado no meio da Av. 24 de Julho com o dichote de que da próxima seria pior. Ou seja, uns sopapos à fuzileiro, e alcatrão e penas. Nunca percebi as políticas do bastão e da cenoura. Mas por causa das tosses e das agruras da vida de animal social, lá fui inscrever-me no boxe do Sporting, a única afinidade com a família K.
Um dia voltei a ser assíduo da Kapital por conta de uma amizade providencial, o porteiro Miguel Ângelo, que por conta de uma entrevista me fez persona grata. Durante um tempo, encarei as saídas nocturnas como um exercício de sociologia. Vi gente sem nada a apontar a não ser a cor da pele ou a roupa mal enjorcada (segundo os padrões de gosto da casa K) bater em retirada ou ser corrida a pontapé se lhes dava para reagir à sentença. No caso da semana, o 38º episódio de violência gratuita num dos 30 estabelecimentos dos senhores K, o mais insólito é ouvir um causídico de defesa dos ursos dizer que o problema dos seus clientes foi o dia ter corrido mal.
Como se a azia nocturna do profissional encartado para zelar pela segurança pudesse justificar um arraial de porrada a um frango de aviário rodeado de pintainhos aflitos cuja única ameaça partiu de uma suspeita infundada de estarem ali ao ataque de carteiras de turistas desprotegidos.
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