Mário Soares, a quem já chamaram de todas as coisas no jargão dos animais políticos, incluindo menchevique (O Kerensky lusitano), foi-se desta para melhor, pois o recanto na sebenta da História já o tinha desde 1974, aquando da sua ascese na Fonte Luminosa.
Nos primórdios do Jornalismo, aos tempos do Semanário do início dos anos 90, foi-me incumbida a tarefa de cobrir indeferido a viagem à Índia, uma inovação do chamado jornalismo very light. Dia a dia, baseado em relatos de telexes e nas reportagens de aqui e de acolá, lá fui escrevendo sobre um homem de quem ouvira o pior e o melhor, como é próprio dos cimeiros e da ralé.
Os reles (dito pelos seus detractores), incluindo o meu tio comunista, chamavam-lhe traidor, oportunista, usurpador, incluindo de obras de arte ofertadas enquanto chefe de Estado. A malta dos abanicos deu-lhe o cognome de Fixe, como quem alcunha um rei. Rei, soba, sultão, forma outros tantos títulos colocados no perfil do bochechas, inspirador de tantos ódios como ternuras.
Recordo agora a rábula das viagens de Soares a quem deram ainda o nome de Willy Fog, Espião da CIA, O Grande Democrata e de Gordo das 7 Partidas. Na Índia, Soares, homem bonacheirão e desabrido, alçou das suas anafadas pernas vestidas de feminino sari (de linga coberto) e subiu ao dorso de um elefante, de onde acenou como um marajá a uma plateia de súbditos integrados na comitiva ladeados por uma legião de flamingos.
Tratei de glosar aquilo que não vi in loco com uma prosa fresca e ligeira, apelando à beleza airosa dos políticos de outrora, como um Gama ou um Albuquerque, trajados a rigor, de sedas e baldaquins. Soares, o Fixe, fosse no alto de um paquiderme ou na couraça de uma tartaruga, tinha a proverbial capacidade de nunca desmobilizar o seu sorriso esfíngico e sempre a manter a máscara cabendo aos outros decifrarem a sua charada.