A eleição de Donald Trump tem e terá muito que se lhe diga, mas deve ser por ora aplaudida como o triunfo da ciência política (e dos porcos). O conde Alexis Tocqueville publicou “Da Democracia na América” (em francês, De la Démocratie en Amérique) em 1835, uma panorâmica dos Estados Unidos dos anos 30 do século XIX, e neste texto visionário deixou escrito o modelo que leva à possibilidade da eleição de tipos como Trump num sistema político único no mundo com as suas virtudes e defeitos.
Nessa viagem de nove meses baseada no pressuposto de estudar o sistema prisional, o conde fascinou-se com o sentido de dedicação das pessoas comuns ao processo político. Andrew Jackson era o presidente e os partidos políticos estavam num processo de mutação, deixando de ser pequenas organizações controladas por elites locais e comissões eleitorais para se tornarem corpos massivos, capazes de eleger funcionários para os níveis local, regional e nacional e criando o esteio democrático para a eleição de génios ou imbecis na mesma medida.
A lacuna do livro de Tocqueville está apenas na ausência de um estudo sobre a pobreza nas cidades e a escravatura, mas deixou pérolas de entendimento para não nos espantarmos hoje com a eleição de deuses encarnados ou trogloditas de Neandertal capazes de num curto espaço de tempo tudo fazerem para devolver o mundo à Idade da Pedra. Em última instância, o povo é quem mais ordena e lá tal como cá, há espaço na mesma sebenta para Salazar, Eanes, Sá Carneiro, Sócrates ou ou Passos Coelho, como no solo americano nos impressionamos com o tumulto e o prazer do povo em tomar parte do governo e discutir as suas medidas, levando as mãos à cabeça (ou ao coração) diante dos perigos de ser governado por um fundamentalista acéfalo.
Alexis De Tocqueville e Gustave Beaumont, ambos aristocratas franceses, foram enviados pelo governo francês em 1831 para estudar o sistema prisional americano. Chegaram a Nova Iorque em Maio desse ano e passaram nove meses em viagem pelos Estados Unidos, tomando notas não só acerca das prisões, mas sobre todos os aspectos da sociedade norte americana, incluindo a sua economia e o seu sistema político, único no mundo.
Após o retorno à França, em fevereiro de 1832, os dois autores enviaram os seus relatórios penais ao governo. Beaumont escreveria ainda um romance sobre relações raciais nos Estados Unidos.